Como anda a vida do denunciante na Europa

March 21, 2022

Desde 2010, com a adoção da lei “Dodd-Frank Act”, os Estados Unidos introduziram a figura do soprador de apito, ou seja, alguém que testemunhe alguma irregularidade, dentro dos seguintes parâmetros:

1. Qualquer irregularidade que resulte em sanção acima de US$ 1 milhão;

2. A informação deve atender aos seguintes requisitos:

  • deriva do conhecimento independente ou análise de um denunciante;
  • não é de conhecimento da SEC (Comissão de Valores Mobiliários nos EUA) por nenhuma outra fonte, a menos que o denunciante seja a fonte original da informação; e
  • não deriva exclusivamente de uma alegação feita em uma audiência judicial ou administrativa, em um relatório, audiência, auditoria ou investigação do governo ou a partir das notícias na mídia, a menos que o denunciante seja a fonte de informações.

O fato é que a Dodd-Frank Act é uma lei muito interessante e quem desejar saber mais sobre a mesma, deve acessar esse link.

Nos EUA, uma denúncia no âmbito da Dodd-Frank Act possibilita ao denunciante (soprador de apito) ganhar entre 10 a 30% do valor da multa atribuída à empresa.

O Brasil seguiu pelo mesmo caminho ao sancionar o pacote anticrime do ex-ministro Sérgio Moro, convertido na Lei 13.964 de 24.12.2019, durante a pandemia da Covid-19, abrindo a possibilidade de ser fixada uma recompensa em favor do denunciante (soprador de apito) de até 5% do valor recuperado, quando suas informações resultarem em recuperação de produto do crime contra a administração pública (governo). Pouco é divulgado nesse sentido, sendo que a expressiva maioria da população desconhece tal fato.

Não obstante, como se encontra a questão do denunciante na Europa, que é o tema desse artigo? É importante salientar que a lei anticorrupção que inovou ao trazer em seu conteúdo dispositivos de proteção ao denunciante (soprador de apito) é justamente uma lei europeia, a Sapin II, aprovada no fim de 2016 na França. Embora a lei francesa não garanta nenhuma remuneração ao denunciante pelo fato de tornar pública qualquer irregularidade cometida por uma empresa.

A União Europeia acabou editando a Diretriz 1937 em 23 de outubro de 2019, estabelecendo regras de proteção ao denunciante (soprador de apito) a serem incorporadas internamente pelas nações do bloco, sendo obrigatórias para organizações públicas e privadas com volume de negócios anual ou ativos totais superiores a 10 milhões de Euros. Trata-se de um documento de 40 páginas, cuja síntese do conteúdo será exposta a seguir.

Todas as organizações com mais de 250 colaboradores tiveram até 17 de dezembro de 2021 para começar a cumprir a legislação, e aquelas com 50-249 funcionários, até 17 de dezembro de 2023. Para as organizações com menos de 50 funcionários, cabia aos membros da União Europeia decidir se exigiriam que elas estabelecessem apenas canais internos de denúncia, após avaliar o risco e a natureza das atividades da organização. A diretriz é de implementação integral obrigatória para organizações do setor público que atendem a 10 mil pessoas ou mais.

É importante salientar que a diretriz protege o denunciante (soprador de apito), compreendendo empregados, servidores públicos, gerentes e supervisores, trabalhadores autônomos, contratados, seus empregados e seus subcontratados, fornecedores, voluntários, estagiários, acionistas, aprendizes, ex-funcionários; e candidatos que obtêm informações durante o processo de seleção ou negociação pré-contratual. Estão excluídos da proteção dessa diretriz as pessoas que relatam incidentes fora do trabalho ou informações sobre assuntos externos.

Quanto à natureza das denúncias, os canais apropriados devem estar preparados para receber relatos sobre (i) contratos públicos, para prevenir e detectar fraudes e corrupção, (ii) serviços financeiros, (iii) produtos e mercados, (iv) lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, (v) segurança do produto, fabricação e cadeias de distribuição, (vi) segurança de transporte, (vii) meio ambiente, (viii) radiação e energia nuclear, (ix) segurança de alimentos e rações, (x) saúde pública, (xi) proteção do consumidor, (xii) privacidade e proteção de dados, (xiii) interesses financeiros da UE, e (xiv) impostos e receitas.

Os denunciantes (sopradores de apito) são incentivados, embora não sejam obrigados, a relatar primeiramente por meio de canais internos da própria organização. Considerando as circunstâncias do caso, os denunciantes (sopradores de apito) também podem contatar as autoridades nacionais competentes ou as instituições, organizações, gabinetes e agências relevantes da União Europeia.

Havendo a denúncia, a diretriz estabelece as seguintes proteções ao denunciante (soprador de apito):

1. Confidencialidade

2. Proibição de divulgação de qualquer informação sobre o informante

3. Respeito à GDPR (Lei de Proteção de Dados vigente na União Europeia)
4. Anonimato

5. Proteção contra retaliação

6. Proibição de represálias

7. Assistência jurídica e financeira gratuita

8. Apoio psicológico

Finalmente, resta salientar que os canais para recebimento de denúncias devem ser facilmente acessíveis, seguros, confidenciais e devem ofertar a possibilidade do anonimato.

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1. Qualquer irregularidade que resulte em sanção acima de US$ 1 milhão;

2. A informação deve atender aos seguintes requisitos:

  • deriva do conhecimento independente ou análise de um denunciante;
  • não é de conhecimento da SEC (Comissão de Valores Mobiliários nos EUA) por nenhuma outra fonte, a menos que o denunciante seja a fonte original da informação; e
  • não deriva exclusivamente de uma alegação feita em uma audiência judicial ou administrativa, em um relatório, audiência, auditoria ou investigação do governo ou a partir das notícias na mídia, a menos que o denunciante seja a fonte de informações.

O fato é que a Dodd-Frank Act é uma lei muito interessante e quem desejar saber mais sobre a mesma, deve acessar esse link.

Nos EUA, uma denúncia no âmbito da Dodd-Frank Act possibilita ao denunciante (soprador de apito) ganhar entre 10 a 30% do valor da multa atribuída à empresa.

O Brasil seguiu pelo mesmo caminho ao sancionar o pacote anticrime do ex-ministro Sérgio Moro, convertido na Lei 13.964 de 24.12.2019, durante a pandemia da Covid-19, abrindo a possibilidade de ser fixada uma recompensa em favor do denunciante (soprador de apito) de até 5% do valor recuperado, quando suas informações resultarem em recuperação de produto do crime contra a administração pública (governo). Pouco é divulgado nesse sentido, sendo que a expressiva maioria da população desconhece tal fato.

Não obstante, como se encontra a questão do denunciante na Europa, que é o tema desse artigo? É importante salientar que a lei anticorrupção que inovou ao trazer em seu conteúdo dispositivos de proteção ao denunciante (soprador de apito) é justamente uma lei europeia, a Sapin II, aprovada no fim de 2016 na França. Embora a lei francesa não garanta nenhuma remuneração ao denunciante pelo fato de tornar pública qualquer irregularidade cometida por uma empresa.

A União Europeia acabou editando a Diretriz 1937 em 23 de outubro de 2019, estabelecendo regras de proteção ao denunciante (soprador de apito) a serem incorporadas internamente pelas nações do bloco, sendo obrigatórias para organizações públicas e privadas com volume de negócios anual ou ativos totais superiores a 10 milhões de Euros. Trata-se de um documento de 40 páginas, cuja síntese do conteúdo será exposta a seguir.

Todas as organizações com mais de 250 colaboradores tiveram até 17 de dezembro de 2021 para começar a cumprir a legislação, e aquelas com 50-249 funcionários, até 17 de dezembro de 2023. Para as organizações com menos de 50 funcionários, cabia aos membros da União Europeia decidir se exigiriam que elas estabelecessem apenas canais internos de denúncia, após avaliar o risco e a natureza das atividades da organização. A diretriz é de implementação integral obrigatória para organizações do setor público que atendem a 10 mil pessoas ou mais.

É importante salientar que a diretriz protege o denunciante (soprador de apito), compreendendo empregados, servidores públicos, gerentes e supervisores, trabalhadores autônomos, contratados, seus empregados e seus subcontratados, fornecedores, voluntários, estagiários, acionistas, aprendizes, ex-funcionários; e candidatos que obtêm informações durante o processo de seleção ou negociação pré-contratual. Estão excluídos da proteção dessa diretriz as pessoas que relatam incidentes fora do trabalho ou informações sobre assuntos externos.

Quanto à natureza das denúncias, os canais apropriados devem estar preparados para receber relatos sobre (i) contratos públicos, para prevenir e detectar fraudes e corrupção, (ii) serviços financeiros, (iii) produtos e mercados, (iv) lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, (v) segurança do produto, fabricação e cadeias de distribuição, (vi) segurança de transporte, (vii) meio ambiente, (viii) radiação e energia nuclear, (ix) segurança de alimentos e rações, (x) saúde pública, (xi) proteção do consumidor, (xii) privacidade e proteção de dados, (xiii) interesses financeiros da UE, e (xiv) impostos e receitas.

Os denunciantes (sopradores de apito) são incentivados, embora não sejam obrigados, a relatar primeiramente por meio de canais internos da própria organização. Considerando as circunstâncias do caso, os denunciantes (sopradores de apito) também podem contatar as autoridades nacionais competentes ou as instituições, organizações, gabinetes e agências relevantes da União Europeia.

Havendo a denúncia, a diretriz estabelece as seguintes proteções ao denunciante (soprador de apito):

1. Confidencialidade

2. Proibição de divulgação de qualquer informação sobre o informante

3. Respeito à GDPR (Lei de Proteção de Dados vigente na União Europeia)
4. Anonimato

5. Proteção contra retaliação

6. Proibição de represálias

7. Assistência jurídica e financeira gratuita

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Finalmente, resta salientar que os canais para recebimento de denúncias devem ser facilmente acessíveis, seguros, confidenciais e devem ofertar a possibilidade do anonimato.

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