Entenda o Acordo de Leniência

August 17, 2020

A lei brasileira anticorrupção – Lei 12.846 de 01 de agosto de 2013, conhecida no exterior como “Clean Company Act”, trouxe um instrumento importante para auxiliar as autoridades na investigação e prospecção de provas, chamado acordo de leniência.

O acordo de leniência nasceu em agosto de 1993, nos Estados Unidos, por meio do programa de leniência corporativa. O mesmo mostrou-se bastante eficiente, considerando o endurecimento da legislação contra práticas de investigação que causassem lesões físicas ou psíquicas aos investigados, ou seja, contra a tortura, que por muitos anos foi praticada como forma de colher provas para incriminar alguém.

O acordo de leniência não passou a ser uma novidade no direito brasileiro a partir do advento da lei brasileira anticorrupção, afinal, o mesmo já estava em nosso meio com o advento da lei antitruste – Lei 12.529 de 30 de novembro de 2011. Aliás, foi em razão da lei antitruste que o instituto do acordo de leniência quase caiu em descrédito, no famoso caso de um cartel formado no Estado de São Paulo, estendendo-se para os Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e o Distrito Federal, entre 1999 e 2013, por diversas empresas, dentre as quais, Siemens, Alstom, Bombardier, CAF, ESA, MGE, Mistui, MPE, TC/BR, Tejofran, Temoinsa e TTrans. Eis que a Siemens fez um acordo de leniência com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de São Paulo, com o propósito de delatar todo o esquema formado pelas empresas acima, em troca da redução da sua pena.

Ocorre que independente do acordo de leniência, algumas autoridades do Governo paulista, supostamente envolvidas no esquema ou não, resolveram retaliar e processar a Siemens, ignorando as garantias recebidas pela empresa, em decorrência da sua iniciativa, colocando em risco a credibilidade do acordo de leniência.

O fato é que em 08 de julho de 2019, o CADE condenou as 11 empresas listadas acima, excetuando a Siemens, além de 42 indivíduos por formação de cartel em licitações públicas de trens e metrôs, em pelo menos, 26 certames, atribuindo o total de penalidades a seguir descrito: para as empresas – R$ 515,6 milhões e para indivíduos – R$ 19,5 milhões.

Mas o que é o acordo de leniência? O acordo de leniência é um instrumento de apuração de ilícitos e de responsabilização de pessoa jurídica (importante salientar que ele é voltado para a pessoa jurídica) que pratique atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. Esse normativo estabelece que a pessoa jurídica de boa-fé que, de forma espontânea, admite a prática de ilícito e coopera com as investigações administrativas, passa a ter a oportunidade de pleitear a atenuação ou mesmo a isenção de determinadas sanções cabíveis.

Apesar da referência anterior a um caso envolvendo a legislação antitruste, o foco desse artigo é o acordo de leniência previsto na lei anticorrupção brasileira, que premia a empresa que o convencionar com (i) a isenção de ter que fazer a publicação extraordinária da decisão condenatória, (ii) o relaxamento da proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos e, finalmente, (iii) a redução em até 2/3 (dois terços) do valor da multa aplicável.

O acordo de leniência é cabível quando a colaboração da pessoa jurídica resulte na identificação dos demais envolvidos na infração, se houver, e na obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração. Porém, para que a pessoa jurídica possa assinar um acordo de leniência, ela precisa (i) ser a primeira a se manifestar sobre seu interesse em colaborar para a apuração do ato ilícito, (ii) cessar completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data da assinatura do acordo e (iii) admitir sua participação no ilícito, (iv) cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento e (v) fornecer informações, documentos e elementos que comprovem a infração administrativa.

Independente da assinatura do acordo de leniência, a pessoa jurídica permanece com a obrigação de reparar integralmente o dano causado. E se houver o descumprimento do mesmo, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três) anos, contados da data em que houver conhecimento do descumprimento, por parte da administração pública (Governo).

O acordo de leniência deve ser fechado no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, desde a data da proposta inicial.

Da parte da administração pública, a Controladoria Geral da União – CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência, decorrentes da lei brasileira anticorrupção, no âmbito do Poder Executivo Federal e em atos lesivos contra a administração pública estrangeira.

Todavia, o decreto regulamentador da lei anticorrupção brasileira atribui à Procuradoria Geral da União, no âmbito da administração pública federal direta, o dever de adotar as medidas judiciais, no Brasil ou no exterior, como a cobrança da multa administrativa aplicada no PAR, a promoção da publicação extraordinária, a persecução das sanções referidas nos incisos I a IV do caput do art. 19 da Lei nº 12.846, de 2013, a reparação integral dos danos e prejuízos, além de eventual atuação judicial para a finalidade de instrução ou garantia do processo judicial ou preservação do acordo de leniência.

E é essa atribuição do Ministério Público – MP, representado na figura da Procuradoria Geral da República, ao imiscuir-se na seara do acordo de leniência, como ocorreu no caso da Operação Lava Jato, que está atualmente sob discussão. Seria a competência da CGU exclusiva para discutir os termos dos acordos de leniência, ou poderia o MP avocar para si tal responsabilidade?

Não irá demorar para termos uma resposta…

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O acordo de leniência nasceu em agosto de 1993, nos Estados Unidos, por meio do programa de leniência corporativa. O mesmo mostrou-se bastante eficiente, considerando o endurecimento da legislação contra práticas de investigação que causassem lesões físicas ou psíquicas aos investigados, ou seja, contra a tortura, que por muitos anos foi praticada como forma de colher provas para incriminar alguém.

O acordo de leniência não passou a ser uma novidade no direito brasileiro a partir do advento da lei brasileira anticorrupção, afinal, o mesmo já estava em nosso meio com o advento da lei antitruste – Lei 12.529 de 30 de novembro de 2011. Aliás, foi em razão da lei antitruste que o instituto do acordo de leniência quase caiu em descrédito, no famoso caso de um cartel formado no Estado de São Paulo, estendendo-se para os Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e o Distrito Federal, entre 1999 e 2013, por diversas empresas, dentre as quais, Siemens, Alstom, Bombardier, CAF, ESA, MGE, Mistui, MPE, TC/BR, Tejofran, Temoinsa e TTrans. Eis que a Siemens fez um acordo de leniência com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de São Paulo, com o propósito de delatar todo o esquema formado pelas empresas acima, em troca da redução da sua pena.

Ocorre que independente do acordo de leniência, algumas autoridades do Governo paulista, supostamente envolvidas no esquema ou não, resolveram retaliar e processar a Siemens, ignorando as garantias recebidas pela empresa, em decorrência da sua iniciativa, colocando em risco a credibilidade do acordo de leniência.

O fato é que em 08 de julho de 2019, o CADE condenou as 11 empresas listadas acima, excetuando a Siemens, além de 42 indivíduos por formação de cartel em licitações públicas de trens e metrôs, em pelo menos, 26 certames, atribuindo o total de penalidades a seguir descrito: para as empresas – R$ 515,6 milhões e para indivíduos – R$ 19,5 milhões.

Mas o que é o acordo de leniência? O acordo de leniência é um instrumento de apuração de ilícitos e de responsabilização de pessoa jurídica (importante salientar que ele é voltado para a pessoa jurídica) que pratique atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. Esse normativo estabelece que a pessoa jurídica de boa-fé que, de forma espontânea, admite a prática de ilícito e coopera com as investigações administrativas, passa a ter a oportunidade de pleitear a atenuação ou mesmo a isenção de determinadas sanções cabíveis.

Apesar da referência anterior a um caso envolvendo a legislação antitruste, o foco desse artigo é o acordo de leniência previsto na lei anticorrupção brasileira, que premia a empresa que o convencionar com (i) a isenção de ter que fazer a publicação extraordinária da decisão condenatória, (ii) o relaxamento da proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos e, finalmente, (iii) a redução em até 2/3 (dois terços) do valor da multa aplicável.

O acordo de leniência é cabível quando a colaboração da pessoa jurídica resulte na identificação dos demais envolvidos na infração, se houver, e na obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração. Porém, para que a pessoa jurídica possa assinar um acordo de leniência, ela precisa (i) ser a primeira a se manifestar sobre seu interesse em colaborar para a apuração do ato ilícito, (ii) cessar completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data da assinatura do acordo e (iii) admitir sua participação no ilícito, (iv) cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento e (v) fornecer informações, documentos e elementos que comprovem a infração administrativa.

Independente da assinatura do acordo de leniência, a pessoa jurídica permanece com a obrigação de reparar integralmente o dano causado. E se houver o descumprimento do mesmo, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três) anos, contados da data em que houver conhecimento do descumprimento, por parte da administração pública (Governo).

O acordo de leniência deve ser fechado no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, desde a data da proposta inicial.

Da parte da administração pública, a Controladoria Geral da União – CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência, decorrentes da lei brasileira anticorrupção, no âmbito do Poder Executivo Federal e em atos lesivos contra a administração pública estrangeira.

Todavia, o decreto regulamentador da lei anticorrupção brasileira atribui à Procuradoria Geral da União, no âmbito da administração pública federal direta, o dever de adotar as medidas judiciais, no Brasil ou no exterior, como a cobrança da multa administrativa aplicada no PAR, a promoção da publicação extraordinária, a persecução das sanções referidas nos incisos I a IV do caput do art. 19 da Lei nº 12.846, de 2013, a reparação integral dos danos e prejuízos, além de eventual atuação judicial para a finalidade de instrução ou garantia do processo judicial ou preservação do acordo de leniência.

E é essa atribuição do Ministério Público – MP, representado na figura da Procuradoria Geral da República, ao imiscuir-se na seara do acordo de leniência, como ocorreu no caso da Operação Lava Jato, que está atualmente sob discussão. Seria a competência da CGU exclusiva para discutir os termos dos acordos de leniência, ou poderia o MP avocar para si tal responsabilidade?

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