Mudanças da legislação do SUS trazem esperança a pacientes

April 11, 2022

Uma das grandes conquistas de todos os brasileiros é indubitavelmente o Sistema Único de Saúde (SUS). Amparado pelo Art. 196 da Constituição Federal de 1988, que estabelece que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, o SUS garante a todos os brasileiros o acesso à saúde pública, a despeito de recolherem qualquer pagamento para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Por mais que o atendimento do sistema público de saúde seja deficiente – em alguns lugares mais do que em outros –, é importante salientar que existem países onde aqueles que não podem pagar não têm nenhum tipo de acesso a medicamentos ou a tratamentos clínicos ou hospitalares, agonizando diante da sua enfermidade ou mesmo vindo a óbito.

Considerando que o SUS compreende uma complexa engrenagem de suporte ao paciente, um dos seus pontos mais importantes – e, ao mesmo tempo, talvez o mais controvertido – é a incorporação de novas tecnologias, especialmente de novos medicamentos.

Enquanto a tecnologia progride e avanços nas áreas genética, biológica e imunoterápica são observados, a controvérsia é pautada no custo desses novos medicamentos, especialmente aqueles destinados a doenças raras, ou seja, aquelas que atingem um grupo relativamente pequenos de pacientes.

Em razão disso, para recuperar os vultosos investimentos em pesquisa clínica, as farmacêuticas são forçadas a elevar sobremaneira o preço de tais medicamentos, pois a aquisição ficará restrita a um grupo muito pequeno de pacientes, não sendo possível diluir o seu custo. Considera-se doença rara aquela que afeta até 65 pessoas em cada grupo de 100 mil indivíduos, ou seja, 1,3 pessoas para cada 2.000 indivíduos. O número exato de doenças raras não é conhecido, mas estima-se que existam entre 6.000 a 8.000 tipos diferentes de doenças raras em todo o mundo.

Como o orçamento destinado ao SUS é finito e aprovado anualmente, é comum as autoridades recusarem o pedido de fornecimento de medicamentos não incorporados no SUS por meio da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), alegando que seu custo é elevado ou que não houve aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Isso acaba fomentando um fenômeno relativamente comum no Brasil, a judicialização da saúde, quando pacientes buscam o  Judiciário para garantir a obrigação de fornecimento por parte do governo, independentemente de o medicamento estar ou não incorporado no SUS pela Conitec.

Embora o Poder Judiciário seja sensível aos pedidos de fornecimento de medicamentos, ainda que não incorporados, sempre houve relutância em obrigar o SUS a fornecer um medicamento não aprovado pela Anvisa, ou cuja indicação não tivesse aprovação por essa agência.

Todavia, surgiu uma luz no fim do túnel para pacientes, após a publicação da Lei 14.313, de 21 de março de 2022, que alterou dispositivos da Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, que criou e regulamentou o SUS, introduzindo as seguintes novidades:

1. As metodologias empregadas na avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível, serão dispostas em regulamento e amplamente divulgadas, inclusive em relação aos indicadores e parâmetros de custo-efetividade utilizados em combinação com outros critérios.

2. O processo de incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, observará distribuição aleatória, respeitadas a especialização e a competência técnica requeridas para a análise da matéria.

3. O processo de incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, observará a publicidade dos atos processuais.

4. São vedados, em todas as esferas de gestão do SUS: (i) o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e (ii) a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Anvisa. Porém, excetua-se: (i) medicamento e produto em que a indicação de uso seja distinta daquela aprovada no registro na Anvisa, desde que seu uso tenha sido recomendado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), demonstradas as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança, e esteja padronizado em protocolo estabelecido pelo Ministério da Saúde e (ii) medicamento e produto recomendados pela Conitec e adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso em programas de saúde pública do Ministério da Saúde e suas entidades vinculadas.

Como se vê, a referida lei trouxe novidades na área de transparência, mas o que realmente chamou a atenção foi a possibilidade de o SUS arcar com os custos da compra de um medicamento em que a indicação de uso seja distinta daquela aprovada no registro da Anvisa, desde que seu uso tenha sido recomendado pela Conitec, ou seja, um medicamento com indicação off label (fora de bula).

Tal medida pode ser um avanço e uma esperança para uma variada gama de pacientes, pois existem medicamentos que, devidos a seus estudos iniciais, são aprovados apenas para uma indicação, quando, na verdade, sua eficácia comporta outras indicações ainda não aprovadas. Como exemplo, podemos citar um medicamento oncológico, inicialmente aprovado apenas para uso pós-quimioterapia, mas que se revela extremamente eficiente para uso pré-quimioterapia e que poderia contribuir para a qualidade de vida, sobrevida e, por vezes, ser o diferencial para evitar o óbito de um paciente.

A questão que se impõe é se os preceitos éticos e científicos prevalecerão, diante dos interesses econômicos ou políticos inerentes à controvérsia.

Seja como for, a referida lei acende uma luz de esperança a muitos pacientes que poderão obter seus tratamentos em decorrência de tais mudanças.

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Por mais que o atendimento do sistema público de saúde seja deficiente – em alguns lugares mais do que em outros –, é importante salientar que existem países onde aqueles que não podem pagar não têm nenhum tipo de acesso a medicamentos ou a tratamentos clínicos ou hospitalares, agonizando diante da sua enfermidade ou mesmo vindo a óbito.

Considerando que o SUS compreende uma complexa engrenagem de suporte ao paciente, um dos seus pontos mais importantes – e, ao mesmo tempo, talvez o mais controvertido – é a incorporação de novas tecnologias, especialmente de novos medicamentos.

Enquanto a tecnologia progride e avanços nas áreas genética, biológica e imunoterápica são observados, a controvérsia é pautada no custo desses novos medicamentos, especialmente aqueles destinados a doenças raras, ou seja, aquelas que atingem um grupo relativamente pequenos de pacientes.

Em razão disso, para recuperar os vultosos investimentos em pesquisa clínica, as farmacêuticas são forçadas a elevar sobremaneira o preço de tais medicamentos, pois a aquisição ficará restrita a um grupo muito pequeno de pacientes, não sendo possível diluir o seu custo. Considera-se doença rara aquela que afeta até 65 pessoas em cada grupo de 100 mil indivíduos, ou seja, 1,3 pessoas para cada 2.000 indivíduos. O número exato de doenças raras não é conhecido, mas estima-se que existam entre 6.000 a 8.000 tipos diferentes de doenças raras em todo o mundo.

Como o orçamento destinado ao SUS é finito e aprovado anualmente, é comum as autoridades recusarem o pedido de fornecimento de medicamentos não incorporados no SUS por meio da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), alegando que seu custo é elevado ou que não houve aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Isso acaba fomentando um fenômeno relativamente comum no Brasil, a judicialização da saúde, quando pacientes buscam o  Judiciário para garantir a obrigação de fornecimento por parte do governo, independentemente de o medicamento estar ou não incorporado no SUS pela Conitec.

Embora o Poder Judiciário seja sensível aos pedidos de fornecimento de medicamentos, ainda que não incorporados, sempre houve relutância em obrigar o SUS a fornecer um medicamento não aprovado pela Anvisa, ou cuja indicação não tivesse aprovação por essa agência.

Todavia, surgiu uma luz no fim do túnel para pacientes, após a publicação da Lei 14.313, de 21 de março de 2022, que alterou dispositivos da Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, que criou e regulamentou o SUS, introduzindo as seguintes novidades:

1. As metodologias empregadas na avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível, serão dispostas em regulamento e amplamente divulgadas, inclusive em relação aos indicadores e parâmetros de custo-efetividade utilizados em combinação com outros critérios.

2. O processo de incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, observará distribuição aleatória, respeitadas a especialização e a competência técnica requeridas para a análise da matéria.

3. O processo de incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, observará a publicidade dos atos processuais.

4. São vedados, em todas as esferas de gestão do SUS: (i) o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e (ii) a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Anvisa. Porém, excetua-se: (i) medicamento e produto em que a indicação de uso seja distinta daquela aprovada no registro na Anvisa, desde que seu uso tenha sido recomendado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), demonstradas as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança, e esteja padronizado em protocolo estabelecido pelo Ministério da Saúde e (ii) medicamento e produto recomendados pela Conitec e adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso em programas de saúde pública do Ministério da Saúde e suas entidades vinculadas.

Como se vê, a referida lei trouxe novidades na área de transparência, mas o que realmente chamou a atenção foi a possibilidade de o SUS arcar com os custos da compra de um medicamento em que a indicação de uso seja distinta daquela aprovada no registro da Anvisa, desde que seu uso tenha sido recomendado pela Conitec, ou seja, um medicamento com indicação off label (fora de bula).

Tal medida pode ser um avanço e uma esperança para uma variada gama de pacientes, pois existem medicamentos que, devidos a seus estudos iniciais, são aprovados apenas para uma indicação, quando, na verdade, sua eficácia comporta outras indicações ainda não aprovadas. Como exemplo, podemos citar um medicamento oncológico, inicialmente aprovado apenas para uso pós-quimioterapia, mas que se revela extremamente eficiente para uso pré-quimioterapia e que poderia contribuir para a qualidade de vida, sobrevida e, por vezes, ser o diferencial para evitar o óbito de um paciente.

A questão que se impõe é se os preceitos éticos e científicos prevalecerão, diante dos interesses econômicos ou políticos inerentes à controvérsia.

Seja como for, a referida lei acende uma luz de esperança a muitos pacientes que poderão obter seus tratamentos em decorrência de tais mudanças.

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