Relacionamento entre colegas de trabalho e o conflito de interesses

December 13, 2021

Não é de hoje que esse palpitante tema ronda o mundo corporativo e em inúmeras vezes acaba deixando áreas de Recursos Humanos ou mesmo de Compliance diante de situações de difícil resolução.

Embora a pandemia causada pelo vírus SARS-CoV2 tenha excepcionado uma tendência nos tempos modernos, é fato que as pessoas passaram a conviver por mais tempo com colegas de trabalho do que até mesmo com seus familiares e amigos. Além disso, os hábitos e costumes evoluíram e a questão da diversidade passou a ser uma bandeira defendida por inúmeras empresas e organizações. Logo, o relacionamento entre homem e mulher passou a conviver com relacionamentos de pessoas do mesmo sexo, sejam homens ou mulheres. E, junto com a homossexualidade, ganharam força os conceitos da bissexualidade, da pansexualidade, da transexualidade e da assexualidade.

É bem verdade que as empresas evoluíram sobremaneira no entendimento de que, independentemente da orientação sexual de alguém, qualidades como caráter, lealdade, competência, integridade, bom comportamento etc. seriam muito mais importantes para qualquer organização. E tais qualidades definitivamente não estão vinculadas à orientação sexual.

O fato é que, de tempos em tempos, empresas se deparam com a informação de um novo relacionamento entre colaboradores – em muitas dessas situações, ocupando cargos de liderança. Motivo de desespero? Nunca. Momento de reflexão? Sempre.

Relacionamento entre colaboradores não é sinônimo de ameaça ao negócio nem ao ambiente de trabalho. Ele somente pode vir a se tornar um problema em decorrência especialmente de dois motivos: mau comportamento ou conflito de interesses.

O mau comportamento ocorre quando os colaboradores não têm o discernimento necessário para entender que o relacionamento entre o casal deve ser cultivado fora do ambiente de trabalho – neste, o casal deve exercer a postura profissional esperada de ambos. Declarações de amor e outras manifestações de apreço devem ser guardadas para os momentos em que o casal estiver fora da empresa. Atos de natureza sexual obviamente não devem sequer ser cogitados no ambiente de trabalho, sob pena até de demissão por justa causa, em razão da incontinência de conduta ou mau procedimento, conforme caracterizado na própria Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

Já a questão do conflito de interesses é efetivamente a mais complexa de ser analisada, especialmente diante de certas situações. A despeito das várias acepções acerca de conflito de interesses, nesta questão específica ele se materializa quando interesses secundários, de natureza pessoal, interferem em interesses primários de lealdade ao negócio. Baseando-se nessa premissa, qualquer interferência em juízo de valor na tomada de decisão de um dos colaboradores em prol do negócio, com o propósito de beneficiar o(a) companheiro(a), passa a resultar em um potencial conflito de interesses.

Quando o relacionamento ocorre entre subordinados, por exemplo, resta muito claro o potencial conflito de interesses se o(a) chefe será aquele(a) que avaliará a performance do(a) companheiro(a) subordinado(a), se liberará recursos ou tomará decisões que possam beneficiá-lo(a). A questão que se impõe diante de uma situação como essa é se existem medidas de mitigação para reduzir potenciais conflitos de interesses. E a resposta, para a felicidade de todos, é que existem, sem que isso implique na demissão compulsória de um ou de ambos os colaboradores.

Mesmo diante da situação tão patente acima, é possível atenuar os efeitos de um potencial conflito de interesses, se aquele(a) que estiver ocupando o cargo de chefia deixar de tomar decisões que envolvam seu (sua) companheiro(a) subordinado(a), ainda que se mantendo a hierarquia da empresa. Isso nem sempre é fácil, considerando o organograma e a cultura da empresa. Mais fácil seria efetivamente transferir um dos colaboradores de setor, se a estrutura comportasse essa opção.

Relacionamento entre colaboradores de diferentes áreas já induz um potencial conflito de interesses bem menor. Na verdade, esse conflito de interesses somente se manifesta se em algum momento um dos colaboradores for decisor de algo que possa beneficiar direta ou indiretamente o(a) companheiro(a). Logo, ao analisar esse tipo de situação, a empresa deve levar em consideração se existe essa hipótese – por exemplo, um colaborador fazendo parte de uma comissão que avaliará ou calibrará o desempenho do(a) companheiro(a) – e eliminá-la, tirando o colaborador dessa comissão. Naturalmente, existem situações mais complexas, como o colaborador que terá que controlar determinadas atividades na organização que envolvem o(a) companheiro(a) e não existe possibilidade de remoção nem de um, nem de outro para outra atividade. O ideal seria que o controle fosse feito por um par, se ele existir na estrutura da empresa.

Por outro lado, nem todas as empresas estão dispostas a lidar com essa situação, preferindo simplesmente proibir relacionamento entre colegas de trabalho. Tal proibição não impede que alguém se apaixone por outra pessoa, acabando por criar relacionamentos escondidos, com um risco potencial efetivamente maior para o negócio, já que a empresa não terá ciência se existe algum conflito de interesses naquela situação com o qual deva se preocupar. A regra, nesse caso, é a demissão sem justa causa se empresa identificar colaboradores nessa condição.

O que esperar de uma empresa que queira não ignorar o assunto e avaliá-lo sob o prisma do impacto ao negócio? Ter a regra do jogo! Seja por meio de uma política de conflitos de interesses, seja por meio de uma política que estabeleça padrões de conduta no ambiente de trabalho, especialmente com respeito a relacionamento entre colaboradores. Existindo a regra do jogo, se torna muito mais fácil a adesão dos colaboradores, inclusive no que diz respeito à transparência da situação para a empresa, afinal, relacionar-se com alguém, ainda que colega de trabalho, não é um crime ou algo moralmente reprovável.

Assim, deve a empresa estimular a transparência na informação do relacionamento, para que ela possa adotar alguma medida de mitigação do potencial conflito de interesses, se for necessário. A mera proibição pode significar, em algum momento, um tiro pela culatra!

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Embora a pandemia causada pelo vírus SARS-CoV2 tenha excepcionado uma tendência nos tempos modernos, é fato que as pessoas passaram a conviver por mais tempo com colegas de trabalho do que até mesmo com seus familiares e amigos. Além disso, os hábitos e costumes evoluíram e a questão da diversidade passou a ser uma bandeira defendida por inúmeras empresas e organizações. Logo, o relacionamento entre homem e mulher passou a conviver com relacionamentos de pessoas do mesmo sexo, sejam homens ou mulheres. E, junto com a homossexualidade, ganharam força os conceitos da bissexualidade, da pansexualidade, da transexualidade e da assexualidade.

É bem verdade que as empresas evoluíram sobremaneira no entendimento de que, independentemente da orientação sexual de alguém, qualidades como caráter, lealdade, competência, integridade, bom comportamento etc. seriam muito mais importantes para qualquer organização. E tais qualidades definitivamente não estão vinculadas à orientação sexual.

O fato é que, de tempos em tempos, empresas se deparam com a informação de um novo relacionamento entre colaboradores – em muitas dessas situações, ocupando cargos de liderança. Motivo de desespero? Nunca. Momento de reflexão? Sempre.

Relacionamento entre colaboradores não é sinônimo de ameaça ao negócio nem ao ambiente de trabalho. Ele somente pode vir a se tornar um problema em decorrência especialmente de dois motivos: mau comportamento ou conflito de interesses.

O mau comportamento ocorre quando os colaboradores não têm o discernimento necessário para entender que o relacionamento entre o casal deve ser cultivado fora do ambiente de trabalho – neste, o casal deve exercer a postura profissional esperada de ambos. Declarações de amor e outras manifestações de apreço devem ser guardadas para os momentos em que o casal estiver fora da empresa. Atos de natureza sexual obviamente não devem sequer ser cogitados no ambiente de trabalho, sob pena até de demissão por justa causa, em razão da incontinência de conduta ou mau procedimento, conforme caracterizado na própria Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

Já a questão do conflito de interesses é efetivamente a mais complexa de ser analisada, especialmente diante de certas situações. A despeito das várias acepções acerca de conflito de interesses, nesta questão específica ele se materializa quando interesses secundários, de natureza pessoal, interferem em interesses primários de lealdade ao negócio. Baseando-se nessa premissa, qualquer interferência em juízo de valor na tomada de decisão de um dos colaboradores em prol do negócio, com o propósito de beneficiar o(a) companheiro(a), passa a resultar em um potencial conflito de interesses.

Quando o relacionamento ocorre entre subordinados, por exemplo, resta muito claro o potencial conflito de interesses se o(a) chefe será aquele(a) que avaliará a performance do(a) companheiro(a) subordinado(a), se liberará recursos ou tomará decisões que possam beneficiá-lo(a). A questão que se impõe diante de uma situação como essa é se existem medidas de mitigação para reduzir potenciais conflitos de interesses. E a resposta, para a felicidade de todos, é que existem, sem que isso implique na demissão compulsória de um ou de ambos os colaboradores.

Mesmo diante da situação tão patente acima, é possível atenuar os efeitos de um potencial conflito de interesses, se aquele(a) que estiver ocupando o cargo de chefia deixar de tomar decisões que envolvam seu (sua) companheiro(a) subordinado(a), ainda que se mantendo a hierarquia da empresa. Isso nem sempre é fácil, considerando o organograma e a cultura da empresa. Mais fácil seria efetivamente transferir um dos colaboradores de setor, se a estrutura comportasse essa opção.

Relacionamento entre colaboradores de diferentes áreas já induz um potencial conflito de interesses bem menor. Na verdade, esse conflito de interesses somente se manifesta se em algum momento um dos colaboradores for decisor de algo que possa beneficiar direta ou indiretamente o(a) companheiro(a). Logo, ao analisar esse tipo de situação, a empresa deve levar em consideração se existe essa hipótese – por exemplo, um colaborador fazendo parte de uma comissão que avaliará ou calibrará o desempenho do(a) companheiro(a) – e eliminá-la, tirando o colaborador dessa comissão. Naturalmente, existem situações mais complexas, como o colaborador que terá que controlar determinadas atividades na organização que envolvem o(a) companheiro(a) e não existe possibilidade de remoção nem de um, nem de outro para outra atividade. O ideal seria que o controle fosse feito por um par, se ele existir na estrutura da empresa.

Por outro lado, nem todas as empresas estão dispostas a lidar com essa situação, preferindo simplesmente proibir relacionamento entre colegas de trabalho. Tal proibição não impede que alguém se apaixone por outra pessoa, acabando por criar relacionamentos escondidos, com um risco potencial efetivamente maior para o negócio, já que a empresa não terá ciência se existe algum conflito de interesses naquela situação com o qual deva se preocupar. A regra, nesse caso, é a demissão sem justa causa se empresa identificar colaboradores nessa condição.

O que esperar de uma empresa que queira não ignorar o assunto e avaliá-lo sob o prisma do impacto ao negócio? Ter a regra do jogo! Seja por meio de uma política de conflitos de interesses, seja por meio de uma política que estabeleça padrões de conduta no ambiente de trabalho, especialmente com respeito a relacionamento entre colaboradores. Existindo a regra do jogo, se torna muito mais fácil a adesão dos colaboradores, inclusive no que diz respeito à transparência da situação para a empresa, afinal, relacionar-se com alguém, ainda que colega de trabalho, não é um crime ou algo moralmente reprovável.

Assim, deve a empresa estimular a transparência na informação do relacionamento, para que ela possa adotar alguma medida de mitigação do potencial conflito de interesses, se for necessário. A mera proibição pode significar, em algum momento, um tiro pela culatra!

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