
O cenário tecnológico e geopolítico global tem se transformado rapidamente, trazendo à tona a crescente preocupação dos estados-nação com a proteção de seus interesses estratégicos e sua soberania econômica. Considerando essa crescente evolução tecnológica e a criticidade de alguns setores para o crescimento sustentado dos países, mais uma vez, o Reino Unido, uma economia aberta e dependente do investimento estrangeiro, não é exceção.
Em resposta a essa realidade, e buscando modernizar seu arcabouço legal para enfrentar as ameaças contemporâneas, o governo britânico implementou o National Security and Investment Act (NSIA). Esta legislação representa uma mudança radical na abordagem do Reino Unido sobre fusões, aquisições e investimentos, introduzindo um regime robusto de escrutínio para transações que possam representar um risco à segurança nacional.
1. Contextualização e Aprovação: uma resposta à dinâmica geopolítica
Antes do NSIA, o Reino Unido possuía poderes limitados para intervir em transações por motivos de segurança nacional, baseando-se principalmente na Enterprise Act de 2002. Essa lei, embora permitisse a intervenção em fusões, era focada principalmente em questões de concorrência e mídias, com a segurança nacional sendo uma exceção de uso raro e relativamente restrito. Os poderes eram reativos e dependiam de uma avaliação caso a caso pelo Secretário de Estado, sem um processo formalizado de triagem de investimentos.
À medida que as ameaças de segurança se tornavam mais complexas e diversificadas – abrangendo não apenas defesa, mas também tecnologia crítica, infraestrutura digital e dados sensíveis – tornou-se evidente a necessidade de um regime mais proativo e abrangente. A crescente preocupação com o acesso a tecnologias sensíveis e infraestruturas vitais por atores estatais adversos, e a observação de regimes mais robustos em países como os Estados Unidos (com seu Comitê de Investimento Estrangeiro nos Estados Unidos – CFIUS) e a Austrália, catalisaram a necessidade de reforma.
O processo legislativo do NSIA começou com a introdução do National Security and Investment Bill no Parlamento do Reino Unido em novembro de 2020. A proposta foi impulsionada pela percepção de que o Reino Unido estava atrasado em comparação com outros países que já possuíam mecanismos de triagem de investimentos mais desenvolvidos. A experiência da pandemia de COVID-19 também sublinhou a importância de proteger as cadeias de suprimentos e as capacidades domésticas em setores vitais, como a fabricação de vacinas e equipamentos médicos.
O projeto de lei passou por um rigoroso processo de debate e emendas em ambas as Câmaras do Parlamento – a Câmara dos Comuns (House of Commons) e a Câmara dos Lordes (House of Lords). Houve discussões intensas sobre o equilíbrio entre a proteção da segurança nacional e a manutenção da reputação do Reino Unido como um destino aberto e atraente para o investimento estrangeiro. Preocupações foram levantadas sobre a amplitude dos poderes do governo, a definição de segurança nacional e o potencial impacto na competitividade. Após várias revisões, o National Security and Investment Bill recebeu o Royal Assent em abril de 2021, tornando-se o National Security and Investment Act 2021.
Embora sancionada em abril de 2021, a maior parte da lei e o novo regime de escrutínio entraram em vigor em 4 de janeiro de 2022, após a publicação das regulamentações secundárias necessárias que detalhavam os 17 setores sensíveis e os gatilhos de notificação obrigatória. Esta data marcou o início de uma nova era para o investimento estrangeiro no Reino Unido.
2. Propósito e Objetivos: uma visão abrangente da segurança nacional
O propósito central do NSIA é conceder ao governo do Reino Unido poderes para intervir e mitigar riscos à segurança nacional que possam surgir de aquisições de controle sobre entidades ou ativos. Ao contrário do regime anterior, que era reativo e focado em um pequeno número de setores, o NSIA estabelece um quadro proativo de triagem de investimentos, permitindo que o governo avalie potenciais riscos antes que a transação seja concluída em muitos casos.
Os objetivos específicos do NSIA são multifacetados e refletem uma compreensão moderna e ampliada da segurança nacional:
- Proteger a Segurança Nacional: este é o objetivo primordial. O NSIA permite que o governo identifique e avalie transações que possam comprometer a segurança nacional, seja através do acesso à tecnologia sensível, infraestrutura crítica, informações confidenciais ou capacidades militares. A lei não oferece uma definição taxativa de “segurança nacional”, o que confere ao governo flexibilidade para adaptar sua interpretação às ameaças em constante evolução. Contudo, as diretrizes publicadas enfatizam que se refere à proteção do território do Reino Unido, do povo, das instituições democráticas, das forças armadas, da infraestrutura essencial, das cadeias de suprimentos vitais e da propriedade intelectual (PI) sensível. Isso inclui a capacidade de resistir a ataques cibernéticos, manter a integridade de dados governamentais e comerciais, e assegurar a resiliência de serviços públicos essenciais.
- Salvaguardar Setores Estratégicos: identificar e proteger setores da economia que são vitais para a segurança do país. A lista de 17 setores sensíveis (detalhada na Seção 4) reflete a crença de que a segurança nacional moderna vai além da defesa e inclui tecnologia avançada, dados e infraestrutura, reconhecendo a natureza de “duplo uso” (dual-use) de muitas tecnologias.
- Mitigar Riscos sem Deter Investimento: o governo busca um equilíbrio delicado. O Reino Unido valoriza o investimento estrangeiro direto (IED) como um motor de crescimento econômico, inovação e criação de empregos. O objetivo é mitigar riscos específicos à segurança nacional, em vez de deter o IED indiscriminadamente. O regime visa ser transparente e previsível para os investidores, embora a flexibilidade governamental seja um ponto de discussão. O governo tem reiterado que a vasta maioria das transações será aprovada sem intervenção.
- Modernizar o Arcabouço Legal: substituir um regime fragmentado e inadequado por um sistema ágil, eficiente e adaptado às complexidades do século XXI, que lida com ameaças tanto de atores estatais quanto não-estatais, e que reflete as melhores práticas internacionais.
- Prevenir a Transferência de Tecnologia Sensível: evitar que tecnologias de ponta, pesquisas e conhecimento crítico (incluindo PI e segredos comerciais) caiam nas mãos de entidades que possam usá-los para fins adversos, comprometendo a vantagem estratégica do Reino Unido ou permitindo o desenvolvimento de capacidades militares ou de vigilância por estados hostis.
- Fortalecer a Resiliência das Cadeias de Suprimentos: em um mundo interconectado, a dependência de fontes externas para componentes críticos pode criar vulnerabilidades. O NSIA permite o escrutínio de aquisições que possam impactar a segurança das cadeias de suprimentos vitais, garantindo que o Reino Unido não se torne excessivamente dependente de um único fornecedor ou região para bens e serviços essenciais.
O NSIA não se destina a ser uma ferramenta de protecionismo econômico ou de política industrial, mas sim um instrumento de segurança nacional. No entanto, a forma como é interpretado e aplicado pode ter efeitos indiretos sobre o cenário de investimento e a competitividade do Reino Unido.
3. Obrigações e Requisitos: nível de controle e notificação
O NSIA impõe obrigações significativas às partes envolvidas em certas transações, especialmente aquelas com potencial impacto na segurança nacional. O regime opera através de um sistema de notificação obrigatória e voluntária, juntamente com o poder de “chamar” transações para revisão.
- Notificação Obrigatória (Mandatory Notification): este é o cerne do NSIA. Uma notificação obrigatória é acionada quando um evento de gatilho (trigger event) ocorre em uma entidade que opera em um dos 17 setores sensíveis especificados nas regulamentações. O não cumprimento da notificação obrigatória torna a transação legalmente nula (void) e pode resultar em penalidades severas.
- Penalidades por Não Notificação: transações obrigatórias não notificadas são nulas e sem efeito jurídico, o que significa que o comprador não adquire legalmente a entidade ou o ativo. Isso pode ter consequências devastadoras para a transação e para as partes envolvidas, exigindo a reversão de todos os atos jurídicos. Além disso, as partes em falta podem ser sujeitas a multas civis de até £10 milhões ou 5% do faturamento global do grupo (o que for maior) e/ou penalidades criminais para indivíduos, incluindo pena de prisão de até 5 anos. A gravidade dessas penalidades sublinha a importância crítica do cumprimento.
- Notificação Voluntária (Voluntary Notification): para transações fora dos 17 setores sensíveis de notificação obrigatória ou que não atingem os gatilhos de controle obrigatório, mas que as partes acreditam que poderiam levantar preocupações de segurança nacional, existe a opção de notificação voluntária.
- Esta opção permite que as partes obtenham certeza jurídica. Uma vez que o governo decide não intervir (emite uma “call-in notice”) ou após um período definido sem intervenção, o risco de ser “chamado” para revisão retroativamente é mitigado. É uma forma de obter uma “luz verde” oficial, proporcionando segurança para o investimento.
- Poder de Chamar para Revisão (Call-in): mesmo que uma transação não seja notificada (seja porque não é obrigatória ou as partes optaram por não notificar voluntariamente), o Secretário de Estado para Negócios, Energia e Estratégia Industrial (agora Departamento de Negócios e Comércio – DBT) tem o poder de “chamar” (call-in) uma transação para revisão.
- Este poder pode ser exercido até 5 anos após a transação ser concluída ou 6 meses após o Secretário de Estado tomar conhecimento da transação, o que ocorrer mais tarde. Isso cria uma incerteza considerável para transações que não se enquadram na notificação obrigatória, mas que possuem algum potencial risco de segurança nacional. O governo pode tomar conhecimento da transação através de reportagens na mídia, informações de terceiros ou análises internas.
- Se uma transação for chamada, as partes são obrigadas a fornecer informações detalhadas e o governo pode impor condições à transação ou até mesmo bloqueá-la.
- Processo de Revisão: o processo de revisão é conduzido pela Investment Security Unit (ISU), uma unidade dedicada dentro do Department for Business and Trade (DBT). A ISU avalia as notificações e faz recomendações ao Secretário de Estado. O processo segue prazos definidos:
- Após a submissão de uma notificação, a ISU tem 30 dias úteis para decidir se “chama” a transação para uma revisão mais aprofundada.
- Se for “chamada”, a ISU tem mais 30 dias úteis para conduzir uma avaliação detalhada, que pode ser estendida por mais 45 dias úteis se necessário.
- Além disso, o governo e as partes podem concordar com extensões voluntárias, o que é comum em casos complexos.
- A revisão pode levar a:
- Nenhuma Ação: a transação não levanta preocupações de segurança nacional e é liberada.
- Imposição de Condições (Remedy Orders): a transação pode prosseguir, mas com certas condições para mitigar os riscos (por exemplo: restrições sobre o acesso a informações sensíveis, requisitos de governança corporativa como a nomeação de diretores independentes, garantias de fornecimento para o governo ou a necessidade de manter certas operações no Reino Unido).
- Proibição ou Desinvestimento (Final Orders): em casos extremos, a transação pode ser totalmente bloqueada ou, se já concluída, o comprador pode ser obrigado a alienar o controle ou parte do ativo/entidade.
4. Ativos Protegidos: os 17 setores sensíveis
O NSIA não define explicitamente o que constitui “segurança nacional”, mas fornece uma lista de 17 setores da economia que são considerados sensíveis e, portanto, acionam a notificação obrigatória se os gatilhos de controle forem atingidos. Essa lista reflete a visão do governo sobre onde as ameaças à segurança nacional são mais prováveis de surgir. Os setores são:
- Semicondutores: abrange a fabricação e o design de wafers de silício, chips e outros componentes semicondutores, incluindo pesquisa e desenvolvimento. Esses componentes são a base da tecnologia moderna, desde sistemas de defesa até eletrônicos de consumo e infraestrutura crítica, sendo vitais para a economia digital e a segurança nacional.
- Minerais Críticos: inclui a exploração, mineração, processamento e reciclagem de minerais considerados essenciais para a segurança nacional devido à sua importância em tecnologias estratégicas (por exemplo: terras raras, lítio, cobalto, grafite). A segurança das cadeias de suprimentos desses minerais é vital para indústrias de alta tecnologia e defesa.
- Inteligência Artificial (IA): tecnologias de IA incluindo algoritmos, software e hardware que permitem aprendizado de máquina, raciocínio e tomada de decisão. A IA é vista como uma tecnologia de propósito geral que pode ter aplicações significativas em defesa, vigilância, cibersegurança e sistemas de controle autônomos.
- Infraestrutura de Dados: Inclui centros de dados (data centers), serviços de computação em nuvem (cloud computing) e outras infraestruturas de armazenamento e processamento de dados críticos. A proteção da integridade, confidencialidade e disponibilidade de dados sensíveis, sejam eles governamentais, militares ou industriais, é fundamental para a soberania digital.
- Defesa: fabricação e fornecimento de equipamentos, serviços e tecnologias militares, incluindo armamentos, veículos, sistemas de comunicação e software de defesa.
- Energia: geração, transmissão, distribuição e armazenamento de energia elétrica, petróleo e gás, incluindo infraestrutura nuclear. A segurança energética é um pilar da segurança nacional.
- Comunicações: redes de telecomunicações, satélites, serviços de radiodifusão e provedores de serviços de internet. A integridade e resiliência das redes de comunicação são cruciais para a sociedade e o governo.
- Transporte: infraestrutura de aeroportos, portos, ferrovias e estradas, incluindo sistemas de controle e gerenciamento de tráfego. O transporte eficiente e seguro é vital para a economia e a mobilização em tempos de crise.
- Computação Quântica: tecnologias relacionadas à computação quântica, que têm o potencial de revolucionar criptografia, computação e sensoriamento, com implicações profundas para a segurança e a capacidade de inteligência.
- Tecnologia Criptográfica: tecnologias e serviços relacionados à criptografia para segurança de dados e comunicações, essenciais para proteger informações confidenciais governamentais e comerciais.
- Tecnologia de Posicionamento, Navegação e Cronometragem (PNT): tecnologias como GPS e sistemas de navegação que são essenciais para uma ampla gama de aplicações civis e militares, desde transporte até operações de defesa.
- Material Avançado: desenvolvimento e fabricação de materiais com propriedades únicas e aplicações estratégicas em setores como defesa, aeroespacial e energia.
- Robótica: desenvolvimento e fabricação de robôs e sistemas autônomos, com aplicações em defesa, manufatura, logística e vigilância.
- Aviação e Espaço: fabricação de aeronaves, veículos espaciais, satélites e sistemas relacionados. O setor espacial é cada vez mais estratégico para comunicações, observação e defesa.
- Engenharia Nuclear: atividades relacionadas à pesquisa, desenvolvimento e aplicação de tecnologia nuclear, incluindo energia nuclear e desmantelamento.
- Tecnologia Militar e de Uso Duplo: abrange tecnologias que podem ter aplicações tanto civis quanto militares, como certos softwares, componentes eletrônicos ou materiais que, embora desenvolvidos para fins civis, podem ser adaptados para uso militar.
- Serviços Postais: serviços postais nacionais, dada a sua importância para a comunicação governamental, o transporte de bens sensíveis e a logística nacional.
Esta lista sublinha a vasta interpretação do Reino Unido sobre o que constitui “segurança nacional” na era digital e geopolítica atual, abrangendo um espectro muito mais amplo do que as definições tradicionais.
5. Impacto nos Setores Chave: desafios e oportunidades
O NSIA tem um impacto significativo em todos os 17 setores designados, mas particularmente nos que envolvem alta tecnologia e infraestrutura crítica, como semicondutores, minerais críticos, inteligência artificial e infraestrutura de dados, devido à sua natureza estratégica e ao ritmo acelerado de inovação.
- Semicondutores: este setor é globalmente estratégico e altamente capitalizado, com cadeias de suprimentos complexas e interconectadas. O NSIA visa proteger a capacidade do Reino Unido de projetar e, em menor grau, fabricar chips, bem como a PI associada, que é um ativo de valor inestimável.
- Efeitos Positivos: maior proteção contra aquisições hostis que poderiam transferir tecnologia vital ou capacidades de produção para concorrentes estratégicos ou estados adversos. Fomenta a resiliência da cadeia de suprimentos doméstica em um momento de escassez global de chips e dependência de poucos fornecedores.
- Desafios: pode criar incerteza para investidores estrangeiros interessados em empresas de semicondutores do Reino Unido, potencialmente retardando ou impedindo investimentos necessários para o crescimento e a inovação. A definição ampla pode abranger empresas de design que não fabricam, mas cuja PI é crucial. Casos de alto perfil, como a aquisição da Newport Wafer Fab (uma fábrica de semicondutores galesa) pela Nexperia (de propriedade chinesa), foram objeto de escrutínio intenso e eventual desinvestimento forçado pelo governo, enviando um sinal claro sobre as linhas vermelhas do governo em relação à proteção de ativos estratégicos.
- Minerais Críticos: a dependência global de fontes limitadas de minerais críticos (essenciais para baterias, eletrônicos, tecnologias verdes e defesa) é uma vulnerabilidade estratégica. O NSIA permite ao governo examinar aquisições que possam comprometer a segurança do fornecimento.
- Efeitos Positivos: garante que as cadeias de suprimentos de minerais críticos para o Reino Unido permaneçam seguras e diversificadas, protegendo indústrias chave que dependem desses materiais. Promove o desenvolvimento de capacidades domésticas de mineração e processamento, reduzindo a dependência de fontes geopoliticamente instáveis.
- Desafios: o Reino Unido não possui grandes reservas de minerais críticos, dependendo de importações. O escrutínio pode dificultar parcerias estrangeiras necessárias para o processamento ou acesso a novas fontes, que exigem investimento significativo e expertise internacional.
- Inteligência Artificial: a IA é vista como uma tecnologia transformadora com vastas implicações para a segurança nacional, desde a cibersegurança até a defesa autônoma. O NSIA visa controlar o acesso a algoritmos, conjuntos de dados de treinamento, modelos de IA e capacidades de pesquisa e desenvolvimento de IA.
- Efeitos Positivos: protege a liderança do Reino Unido em pesquisa de IA, impedindo que adversários obtenham acesso a tecnologias que poderiam ser usadas para fins militares, de vigilância ou de cibersegurança. Fomenta a construção de uma IA ética e segura, alinhada aos valores do país.
- Desafios: o setor de IA é altamente internacionalizado, intensivo em capital e depende de colaboração global. O NSIA pode ser percebido como um obstáculo ao investimento e à colaboração transfronteiriça, essenciais para o rápido avanço da IA. A definição de “IA” pode ser muito ampla, potencialmente impactando startups e empresas menores que desenvolvem tecnologias com aplicações duplas (civil e militar), gerando incerteza sobre a necessidade de notificação.
- Infraestrutura de Dados: a proteção de dados é fundamental em uma era digital, onde a informação é um ativo estratégico. O NSIA se concentra em centros de dados, serviços de nuvem e outras infraestruturas que armazenam e processam grandes volumes de informações sensíveis, incluindo dados governamentais, militares, de saúde e financeiros.
- Efeitos Positivos: salvaguarda dados críticos governamentais, comerciais e pessoais contra acesso não autorizado, manipulação ou interrupção por parte de atores hostis. Reforça a soberania de dados do Reino Unido e a resiliência de seus serviços digitais.
- Desafios: o setor de dados é global e exige investimentos maciços em infraestrutura. Restrições a investimentos estrangeiros em data centres ou serviços de nuvem podem limitar a expansão da capacidade e a competitividade dos preços no Reino Unido. Empresas globais podem hesitar em expandir suas operações no país se houver riscos de intervenção governamental, potencialmente desviando investimentos para jurisdições com regimes menos onerosos.
Em geral, o NSIA adiciona uma camada de complexidade e incerteza às transações nesses setores. Empresas e investidores precisam incorporar a avaliação de riscos de segurança nacional em seu due diligence, além de estar preparados para potenciais atrasos ou condições impostas. Por outro lado, o regime pode proporcionar maior segurança para as empresas domésticas e uma clara demarcação das capacidades estratégicas que o Reino Unido pretende proteger, potencialmente atraindo investimentos que buscam um ambiente regulatório estável e seguro para ativos sensíveis.
6. Transações que Necessitam Autorização ou Registro: gatilhos de controle
O NSIA estabelece gatilhos específicos para determinar quando uma transação está sujeita à notificação obrigatória ou pode ser “chamada” para revisão. Estes gatilhos focam na aquisição de controle sobre entidades ou ativos.
6.1. Gatilhos de Notificação Obrigatória (Mandatory Notification Triggers): aplicam-se apenas quando a entidade-alvo opera em um dos 17 setores sensíveis e um dos seguintes eventos de aquisição de controle ocorre:
- Aumento de Participação Acionária ou Direitos de Voto:
- Aquisição de mais de 25% dos direitos de voto ou ações em uma entidade.
- Aquisição de direitos de voto ou ações que passam de 25% ou menos para mais de 25%.
- Aquisição de direitos de voto ou ações que passam de 50% ou menos para mais de 50%.
- Aquisição de direitos de voto ou ações que passam de 75% ou menos para mais de 75%.
- Exemplo: um fundo de investimento estrangeiro adquire uma participação de 26% em uma startup britânica de IA que desenvolve algoritmos para aplicações de defesa. Esta transação, por cruzar o limite de 25% em um setor sensível, requer notificação obrigatória.
- Aquisição de Controle sobre Entidade: aquisição de direitos de voto ou ações que permitem ao adquirente:
- Passar ou bloquear a passagem de resoluções na entidade (por exemplo: através de um direito de veto sobre decisões estratégicas).
- Dirigir ou controlar as atividades da entidade (mesmo sem uma participação majoritária, se houver um acordo que confira esse poder).
- Exemplo: uma empresa de energia estrangeira adquire 10% das ações com direito a voto de uma empresa britânica que opera infraestrutura de rede elétrica crítica, mas o contrato de aquisição confere a ela o direito de vetar decisões estratégicas do conselho, como a venda de ativos ou a nomeação de executivos-chave. Isso pode ser considerado controle para fins do NSIA e acionar a notificação obrigatória se a empresa for do setor de energia.
6.2. Gatilhos de Poder de “Call-in” (para Notificação Voluntária ou Retroativa): o governo pode “chamar” uma transação para revisão mesmo que não se enquadre nos gatilhos de notificação obrigatória. Isso ocorre se houver uma “aquisição de controle” que, na avaliação do Secretário de Estado, possa levantar preocupações de segurança nacional. Os gatilhos mais amplos para o “call-in” incluem:
- Transações Fora dos 17 Setores: mesmo transações em setores não designados como sensíveis podem ser “chamadas” se levantarem preocupações de segurança
- Aquisição de Influência Material (Material Influence): um gatilho mais baixo e subjetivo, que ocorre quando o adquirente é capaz de influenciar materialmente a política da entidade-alvo, mesmo sem uma participação acionária majoritária ou direitos de veto explícitos. Isso pode ser inferido de uma participação acionária menor (por exemplo: 15-25%), a nomeação de diretores, ou acordos comerciais que conferem poder de decisão.
Exemplo: uma empresa estrangeira adquire 15% das ações de uma pequena empresa britânica de tecnologia criptográfica, juntamente com um assento no conselho e um acordo de colaboração estratégica que lhe dá acesso privilegiado a informações técnicas. Embora não atinja os 25% para notificação obrigatória, o governo pode considerar que existe influência material sobre uma tecnologia sensível e “chamar” a transação. - Aquisição de Ativos: o NSIA não se limita a aquisições de entidades (empresas). Também se aplica à aquisição de certos “ativos” em qualquer setor, se a aquisição puder gerar risco à segurança nacional. Ativos incluem:
- Terras: propriedades que são estrategicamente importantes (por exemplo: terrenos próximos a instalações militares ou de inteligência).
- Bens tangíveis: equipamentos, infraestrutura física (por exemplo: uma fábrica de componentes sensíveis, um porto, um aeroporto).
- Propriedade Intelectual: patentes, direitos autorais, segredos comerciais, bancos de dados, software, designs ou qualquer outro conhecimento técnico que possa ser sensível.
Exemplo: uma empresa estrangeira adquire uma patente crucial de tecnologia de computação quântica desenvolvida por uma universidade britânica ou uma licença exclusiva para sua exploração comercial. Esta transação, por si só, sem a aquisição de toda a empresa, pode ser “chamada” para revisão, pois a PI é um ativo estratégico.
7. Visão de Futuro do Parlamento Britânico
A visão de futuro que permeia o Parlamento Britânico, ao aprovar o National Security and Investment Act, reflete uma profunda compreensão de que a segurança nacional no século XXI transcende as fronteiras tradicionais da defesa e da inteligência, adentrando o domínio da soberania tecnológica e econômica. Ao instituir um mecanismo de escrutínio abrangente sobre 17 setores considerados críticos, o legislativo britânico projeta um futuro no qual o Reino Unido não apenas se defende contra ameaças imediatas, mas também constrói uma fundação resiliente para o desenvolvimento sustentado. Esta legislação é vista como uma ferramenta instrumental para assegurar que as cadeias de suprimentos estratégicas permaneçam sob controle nacional, que a propriedade intelectual mais valiosa seja protegida e que a liderança em tecnologias emergentes – como semicondutores, inteligência artificial e computação quântica – seja mantida e capitalizada em solo britânico, garantindo prosperidade e segurança a longo prazo.
Dessa forma, o controle exercido através do NSIA sobre setores como energia, comunicações e infraestrutura de dados não se limita à prevenção de riscos; ele se estende à capacidade de nutrir ecossistemas de inovação domésticos e de atrair investimentos que se alinham aos interesses estratégicos do Reino Unido. A proteção dos minerais críticos e materiais avançados, por exemplo, é percebida como vital para garantir o acesso a recursos essenciais para as indústrias do futuro, desde veículos elétricos até sistemas de defesa avançados. A intenção é forjar um ambiente no qual a colaboração internacional seja encorajada, mas sempre salvaguardando o know-how e as capacidades que conferem ao Reino Unido uma vantagem competitiva e asseguram sua resiliência frente a choques globais e concorrência geopolítica. O Parlamento antecipa que, ao gerenciar proativamente os investimentos nesses domínios vitais, o país poderá direcionar o fluxo de capital para onde ele melhor serve aos objetivos de desenvolvimento nacional.
Em última análise, a visão parlamentar para o futuro do Reino Unido, moldada pelo NSIA, é a de uma nação que, mantendo-se aberta ao mundo, protege com inteligência seus pilares fundamentais. Trata-se de uma estratégia para fortalecer a base industrial e tecnológica, fomentar a inovação soberana e garantir que a infraestrutura crítica seja impenetrável. Este controle estratégico sobre os 17 setores, longe de ser um obstáculo ao investimento, é apresentado como um pilar para a confiança e a estabilidade. O objetivo é criar um terreno fértil para que o país não apenas prospere economicamente, mas também reforce sua posição como potência tecnológica e parceiro confiável no cenário global, navegando com segurança os desafios e oportunidades da próxima década.