E a FCPA? Vale ou não vale?

October 13, 2025

A Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA – Foreign Corrupt Practices Act) dos Estados Unidos representou um marco legislativo na luta global contra a corrupção internacional. Desde sua promulgação, esta lei tem sido uma ferramenta poderosa para promover a ética nos negócios e garantir a transparência nas operações internacionais, servindo de inspiração para a criação de normas locais em outros países, buscando expurgar os males da corrupção que assola igualmente nações, independentemente do grau de desenvolvimento ou tamanho.

A FCPA foi promulgada em 1977 nos Estados Unidos em um período marcado por uma crescente preocupação pública com a integridade corporativa e governamental. Sua origem está diretamente ligada a uma série de escândalos corporativos de suborno que vieram à tona na década de 1970. Investigados pela Comissão de Valores Mobiliários americana, a Securities and Exchange Commission (SEC), esses casos revelaram que empresas americanas estavam rotineiramente pagando subornos a funcionários públicos estrangeiros para assegurar contratos, obter licenças ou influenciar decisões comerciais em seu favor no exterior.

Um dos catalisadores para a criação da FCPA foi o escândalo Watergate que, embora focado na política interna dos EUA, expôs uma cultura mais ampla de conduta antiética e ilegal que se estendia ao setor corporativo. A percepção de que a corrupção estava ruindo a confiança pública nas instituições e prejudicando a imagem dos EUA no cenário internacional tornou-se inegável. A necessidade de uma legislação robusta que abordasse especificamente a corrupção transnacional era premente, não apenas para restaurar a fé pública, mas também para alinhar as práticas comerciais americanas com os valores éticos e democráticos que o país professava e também proteger acionistas investindo nessas empresas.

A FCPA foi estruturada em duas disposições principais para combater a corrupção de forma abrangente:

  • Disposições Antissuborno: estas são o cerne da lei, proibindo expressamente empresas e indivíduos de oferecer, pagar, prometer pagar ou autorizar o pagamento de dinheiro ou qualquer “coisa de valor” a funcionários públicos estrangeiros, com o propósito de influenciar qualquer ato ou decisão oficial, ou garantir qualquer vantagem indevida para obter ou manter negócios. A abrangência destas disposições significava que qualquer pagamento ou benefício, direto ou indireto, feito com a intenção corrupta de influenciar um funcionário público estrangeiro, poderia ser considerado uma violação.
  • Disposições Contábeis: complementando as proibições de suborno, estas disposições passaram a exigir que as empresas que negociavam valores mobiliários nos EUA (independentemente de serem americanas ou estrangeiras) mantivessem livros e registros que refletissem com precisão e justiça as transações da empresa. Além disso, as empresas deveriam implementar e manter um sistema de controles contábeis internos que fornecesse garantias razoáveis de que as transações seriam executadas de acordo com os comandos da alta gerência e que os ativos seriam registrados para permitir a preparação de demonstrações financeiras em conformidade com os princípios contábeis geralmente aceitos. O objetivo era evitar que subornos fossem ocultados sob o disfarce de despesas legítimas e garantir que a gestão tivesse visibilidade total das operações financeiras para prevenir e detectar atividades corruptas.

A promulgação da FCPA não foi apenas um ato legislativo interno; foi pioneiro no cenário mundial. Ao estabelecer um novo padrão de conduta empresarial em escala global, a FCPA inspirou e influenciou a criação de legislações anticorrupção semelhantes em muitas outras nações, solidificando a posição de liderança dos EUA na promoção da integridade no comércio internacional.

O Propósito da FCPA

O principal propósito da FCPA transcende a mera punição de atos de suborno; ela busca remodelar o ambiente de negócios internacional, promovendo a integridade, a transparência e a concorrência leal. A lei foi concebida com vários objetivos interligados em mente:

Propósitos

Descrição

Nivelar o Campo de Jogo

Em um mundo onde o suborno era, em algumas regiões, uma prática comercial comum, as empresas que se recusavam a participar de tais esquemas frequentemente se encontravam em desvantagem competitiva. A FCPA buscou mudar essa dinâmica, garantindo que as empresas americanas pudessem competir em pé de igualdade, baseadas na qualidade de seus produtos e serviços, e não na capacidade de subornar. Ao proibir o suborno, a FCPA visou eliminar a vantagem indevida que a corrupção proporciona, permitindo que a concorrência justa prevalecesse.

Proteger a Reputação das Empresas Americanas

Os escândalos de suborno da década de 1970 não apenas prejudicaram a confiança pública, mas também mancharam a reputação das empresas americanas no exterior. A FCPA foi uma tentativa de restaurar e proteger essa imagem, demonstrando o compromisso dos EUA com os mais altos padrões éticos nos negócios internacionais, considerando que uma reputação de integridade é um ativo valioso, que atrai parceiros comerciais confiáveis, investidores e talentos, contribuindo para o sucesso a longo prazo das empresas.

Fortalecer a Governança Corporativa

As disposições contábeis da FCPA são cruciais para este propósito. Ao exigir registros financeiros precisos e controles internos robustos, a lei incentivou as empresas a desenvolverem sistemas de governança corporativa eficazes. Tais sistemas são essenciais para detectar e prevenir a corrupção, garantindo que as decisões sejam tomadas de forma ética e que os recursos da empresa sejam usados de maneira apropriada. Uma governança forte não apenas mitiga o risco de violações da FCPA, mas também promove a sustentabilidade e a responsabilidade corporativa.

Além desses objetivos, não há qualquer dúvida que a FCPA reflete um compromisso mais amplo dos EUA em liderar os esforços globais contra a corrupção. A lei serve como um modelo e um incentivo para que outras jurisdições desenvolvam e apliquem suas próprias legislações anticorrupção, contribuindo para um esforço internacional coletivo para erradicar essa prática prejudicial ao desenvolvimento econômico e à estabilidade política. Ademais, nenhuma lei em qualquer outro país exerce com o mesmo rigor a aplicabilidade (enforcement) da lei e a punibilidade exemplar àqueles (empresas e indivíduos) que a violem.

Alterações da FCPA

Desde sua promulgação, a FCPA não permaneceu estática. O ambiente de negócios global é dinâmico, e a lei teve que se adaptar para permanecer eficaz e relevante. Diversas emendas foram introduzidas para fortalecer sua aplicação, refinar suas definições e expandir sua jurisdição.

Uma das alterações mais significativas ocorreu em 1988. Esta emenda visava abordar algumas das ambiguidades e preocupações levantadas pela comunidade empresarial e jurídica sobre a interpretação e a aplicação da lei original. As modificações incluíram:

Alterações

Definição

Melhor Definição dos Termos

Foram esclarecidas definições-chave, como “funcionário estrangeiro” e “instrumentalidade estrangeira”. Essa clarificação ajudou as empresas a entenderem melhor a quem as proibições de suborno se aplicavam, reduzindo a incerteza e facilitando a conformidade. A compreensão precisa de quem constitui um “funcionário estrangeiro” é vital para as empresas que operam internacionalmente, pois abrange não apenas funcionários de governos diretamente, mas também de empresas estatais ou entidades que exercem funções governamentais.

Introdução de Defesas Afirmativas

A emenda de 1988 introduziu duas defesas afirmativas para as acusações de suborno, que permitem às empresas defenderem certas práticas comerciais sob condições específicas:

– Pagamentos Legais sob a Lei Local: uma defesa pode ser apresentada se o pagamento, oferta, promessa ou autorização de pagamento foi legal sob as leis escritas do país estrangeiro. Isso reconhece que as leis locais podem ter diferentes padrões para certas práticas, embora o escopo dessa defesa seja geralmente limitado, dado que o suborno raramente é legalmente permitido.

– Despesas Razoáveis e de Boa-fé: outra defesa afirmativa pode ser aplicada a pagamentos que constituem despesas razoáveis e de boa-fé, como despesas de viagem e acomodação, diretamente relacionadas à promoção, demonstração ou explicação de produtos ou serviços, ou à execução de um contrato com um governo estrangeiro. Essa defesa visa distinguir entre suborno e gastos legítimos de negócios.

– Pagamentos de Facilitação: embora não seja uma defesa afirmativa formal, a emenda de 1988 também esclareceu a exceção para os “pagamentos de facilitação”. Estes são pequenos pagamentos feitos a funcionários públicos estrangeiros para agilizar ou garantir o desempenho de uma ação rotineira do governo que não envolve o exercício de discrição do funcionário (por exemplo, obter licenças, processar vistos, carregar e descarregar cargas). Tais pagamentos passaram a não ser considerados suborno sob a FCPA, refletindo uma pragmática aceitação de certas realidades comerciais em alguns contextos, embora continuem sendo uma área de complexidade e risco até hoje e recusada pela jurisprudência dominante nos EUA.

Outra alteração muito importante ocorreu em 1998, impulsionada pela ratificação dos EUA da Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esta convenção internacional visava harmonizar as leis anticorrupção entre os países membros. A emenda à FCPA de 1998 expandiu significativamente a jurisdição da lei para ampliar o alcance da lei a entidades e indivíduos, ou seja, a FCPA passou a ser aplicada a certas entidades e indivíduos estrangeiros que não eram emissores de valores mobiliários nos EUA, mas que, no entanto, realizavam atos corruptos dentro do território dos EUA. Isso significa que mesmo uma empresa estrangeira ou um indivíduo estrangeiro sem laços diretos com os EUA, mas que usasse correio, telex, telefone ou qualquer outro meio no território americano para facilitar um suborno, poderia ser processado sob a FCPA. Esta expansão solidificou o compromisso dos EUA com o combate à corrupção em uma escala verdadeiramente global, permitindo que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (US DOJ) e a SEC perseguissem uma gama mais ampla de infratores.

Suspensão da FCPA pelo Presidente Donald Trump

A notável trajetória da FCPA, caracterizada por seu fortalecimento e adaptação contínuos, teve um momento de ruptura significativa em 10 de fevereiro de 2025. Nesta data, o então presidente Donald Trump assinou um decreto que suspendeu a aplicação da FCPA por um período de 180 dias. Esta decisão inesperada foi justificada pela administração com a alegação de que a aplicação “excessiva e imprevisível” da lei estava prejudicando a competitividade econômica dos EUA no cenário global.

A suspensão da FCPA gerou considerável debate e apreensão, tanto nos EUA quanto internacionalmente. O grande temor era um revés nos esforços de longa data para combater a corrupção global, enviando uma mensagem errada sobre o compromisso dos EUA com a ética nos negócios e, potencialmente, abrindo a porta para práticas corruptas, que a lei havia sido criada justamente para erradicar. A incerteza sobre o futuro da lei e seus impactos na conduta empresarial internacional foi notória e unânime na comunidade internacional.

Durante o período de 180 dias de suspensão, o Procurador-Geral dos EUA foi instruído a tomar as seguintes ações:

Ações

Definição

Cessar Novas Investigações e Ações Judiciais

O decreto determinou a suspensão da abertura de novos casos baseados na FCPA, com exceção de “circunstâncias excepcionais” que não foram detalhadas, gerando ambiguidade e discricionariedade na aplicação. Isso significou que, por um tempo, a “esfera de ação” dos órgãos de aplicação da lei contra novas violações da FCPA seria severamente limitada.

Revisar Investigações e Processos em Curso

O Procurador-Geral também foi encarregado de revisar todos os casos existentes de FCPA, incluindo investigações e processos judiciais em andamento. O objetivo era garantir que a aplicação da lei estivesse alinhada com os “interesses econômicos e de segurança nacional” dos EUA. Esta diretriz levantou preocupações sobre a possibilidade de interferência política em casos legais e a potencial descontinuação de processos importantes por razões que não fossem estritamente jurídicas.

Atualizar Diretrizes de Aplicação

Uma parte fundamental do decreto era a instrução para revisar e modificar as diretrizes de aplicação da FCPA. O objetivo era que essas novas diretrizes refletissem as prioridades do governo Trump, que pareciam se inclinar para uma maior ênfase na proteção da competitividade econômica dos EUA, mesmo que isso implicasse em uma flexibilização da postura anticorrupção.

A suspensão da FCPA foi um movimento audacioso, com motivação manifestamente política, que destacou as tensões entre os objetivos de combate à corrupção e as preocupações com a competitividade econômica nacional. O episódio sublinhou a importância da FCPA como um pilar da política externa e comercial dos EUA, e a controvérsia que cercou sua suspensão demonstrou a importância da lei para a comunidade internacional. A espera por novas diretrizes após o período de suspensão foi acompanhada de grande expectativa, pois definiria a direção futura da aplicação da FCPA.

Novo Guia de Aplicabilidade Publicado pelo US DOJ

O período de incerteza gerado pela suspensão da FCPA chegou ao fim com a publicação de novas diretrizes de aplicação pelo US DOJ em 9 de junho de 2025. Estas diretrizes marcaram não apenas o restabelecimento da aplicação da lei, mas também uma reorientação estratégica que visava equilibrar os objetivos anticorrupção com os interesses nacionais e a competitividade econômica dos EUA. A nova abordagem buscou racionalizar a aplicação da FCPA, concentrando recursos e esforços em casos de maior impacto e relevância estratégica.

As principais mudanças e ênfases nas novas diretrizes incluíram:

  • Foco em Casos de Alta Relevância Estratégica: as diretrizes instruem o US DOJ a priorizar a aplicação da FCPA em casos que representem ameaças significativas à segurança nacional dos EUA ou que afetem substancialmente a competitividade econômica americana. Isso significa que o US DOJ se concentraria em condutas corruptas que tivessem implicações geopolíticas, que visassem setores estratégicos da economia dos EUA ou que envolvessem grandes empresas ou figuras proeminentes que pudessem ter um impacto sistêmico. Essa abordagem mais seletiva visou maximizar o impacto da aplicação da lei, direcionando os recursos para onde eles podem gerar o maior benefício estratégico.
  • Redução de Cargas Regulatórias e Encerramento de Casos de Menor Gravidade: em um movimento que visava aliviar o ônus sobre as empresas americanas que operam no exterior, as novas diretrizes incentivaram o encerramento de casos de menor gravidade. Isso se aplica tanto a casos que já estavam em andamento quanto a novos casos recém iniciados. A ideia foi reduzir a burocracia e os custos associados à conformidade para empresas que estão envolvidas em violações menos significativas, permitindo que elas se concentrassem em suas operações principais e contribuíssem para o crescimento econômico, sem desviar recursos excessivos para defesas legais em casos marginais. Esta medida representou um reconhecimento das preocupações da administração anterior sobre a “aplicação excessiva da lei” e buscou encontrar um equilíbrio mais pragmático.
  • Alinhamento com Interesses Nacionais e Foco em Condutas Prejudiciais: as diretrizes enfatizaram que a aplicação da FCPA deveria estar sempre alinhada com os interesses estratégicos mais amplos dos EUA. Isso implica que o US DOJ concentrará seus esforços em combater condutas corruptas que prejudiquem esses interesses, seja enfraquecendo aliados, financiando adversários ou distorcendo mercados de forma desfavorável aos EUA. A aplicação da FCPA passou a ser vista não apenas como uma ferramenta para combater a imoralidade, mas também como um instrumento de política externa para proteger e promover os objetivos nacionais dos EUA.

Essas novas diretrizes caracterizaram uma verdadeira revolução na política de aplicação da FCPA. Embora a lei continue a ser uma ferramenta essencial na luta contra a corrupção, sua execução agora passou a refletir uma abordagem mais estratégica, sob a ótica das prioridades nacionais americanas, buscando otimizar o impacto da aplicação da lei em consonância com as prioridades políticas e econômicas dos EUA.

Ainda não é possível ter um panorama claro se tais medidas irão representar um retrocesso no combate à corrupção em âmbito global ou não, mas é certo que existe uma inquietação por parte da comunidade internacional a respeito de tais mudanças, que afetam o exemplo mais bem-sucedido de combate a práticas de corrupção em todo o mundo.

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A Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA – Foreign Corrupt Practices Act) dos Estados Unidos representou um marco legislativo na luta global contra a corrupção internacional. Desde sua promulgação, esta lei tem sido uma ferramenta poderosa para promover a ética nos negócios e garantir a transparência nas operações internacionais, servindo de inspiração para a criação de normas locais em outros países, buscando expurgar os males da corrupção que assola igualmente nações, independentemente do grau de desenvolvimento ou tamanho.

A FCPA foi promulgada em 1977 nos Estados Unidos em um período marcado por uma crescente preocupação pública com a integridade corporativa e governamental. Sua origem está diretamente ligada a uma série de escândalos corporativos de suborno que vieram à tona na década de 1970. Investigados pela Comissão de Valores Mobiliários americana, a Securities and Exchange Commission (SEC), esses casos revelaram que empresas americanas estavam rotineiramente pagando subornos a funcionários públicos estrangeiros para assegurar contratos, obter licenças ou influenciar decisões comerciais em seu favor no exterior.

Um dos catalisadores para a criação da FCPA foi o escândalo Watergate que, embora focado na política interna dos EUA, expôs uma cultura mais ampla de conduta antiética e ilegal que se estendia ao setor corporativo. A percepção de que a corrupção estava ruindo a confiança pública nas instituições e prejudicando a imagem dos EUA no cenário internacional tornou-se inegável. A necessidade de uma legislação robusta que abordasse especificamente a corrupção transnacional era premente, não apenas para restaurar a fé pública, mas também para alinhar as práticas comerciais americanas com os valores éticos e democráticos que o país professava e também proteger acionistas investindo nessas empresas.

A FCPA foi estruturada em duas disposições principais para combater a corrupção de forma abrangente:

  • Disposições Antissuborno: estas são o cerne da lei, proibindo expressamente empresas e indivíduos de oferecer, pagar, prometer pagar ou autorizar o pagamento de dinheiro ou qualquer “coisa de valor” a funcionários públicos estrangeiros, com o propósito de influenciar qualquer ato ou decisão oficial, ou garantir qualquer vantagem indevida para obter ou manter negócios. A abrangência destas disposições significava que qualquer pagamento ou benefício, direto ou indireto, feito com a intenção corrupta de influenciar um funcionário público estrangeiro, poderia ser considerado uma violação.
  • Disposições Contábeis: complementando as proibições de suborno, estas disposições passaram a exigir que as empresas que negociavam valores mobiliários nos EUA (independentemente de serem americanas ou estrangeiras) mantivessem livros e registros que refletissem com precisão e justiça as transações da empresa. Além disso, as empresas deveriam implementar e manter um sistema de controles contábeis internos que fornecesse garantias razoáveis de que as transações seriam executadas de acordo com os comandos da alta gerência e que os ativos seriam registrados para permitir a preparação de demonstrações financeiras em conformidade com os princípios contábeis geralmente aceitos. O objetivo era evitar que subornos fossem ocultados sob o disfarce de despesas legítimas e garantir que a gestão tivesse visibilidade total das operações financeiras para prevenir e detectar atividades corruptas.

A promulgação da FCPA não foi apenas um ato legislativo interno; foi pioneiro no cenário mundial. Ao estabelecer um novo padrão de conduta empresarial em escala global, a FCPA inspirou e influenciou a criação de legislações anticorrupção semelhantes em muitas outras nações, solidificando a posição de liderança dos EUA na promoção da integridade no comércio internacional.

O Propósito da FCPA

O principal propósito da FCPA transcende a mera punição de atos de suborno; ela busca remodelar o ambiente de negócios internacional, promovendo a integridade, a transparência e a concorrência leal. A lei foi concebida com vários objetivos interligados em mente:

Propósitos

Descrição

Nivelar o Campo de Jogo

Em um mundo onde o suborno era, em algumas regiões, uma prática comercial comum, as empresas que se recusavam a participar de tais esquemas frequentemente se encontravam em desvantagem competitiva. A FCPA buscou mudar essa dinâmica, garantindo que as empresas americanas pudessem competir em pé de igualdade, baseadas na qualidade de seus produtos e serviços, e não na capacidade de subornar. Ao proibir o suborno, a FCPA visou eliminar a vantagem indevida que a corrupção proporciona, permitindo que a concorrência justa prevalecesse.

Proteger a Reputação das Empresas Americanas

Os escândalos de suborno da década de 1970 não apenas prejudicaram a confiança pública, mas também mancharam a reputação das empresas americanas no exterior. A FCPA foi uma tentativa de restaurar e proteger essa imagem, demonstrando o compromisso dos EUA com os mais altos padrões éticos nos negócios internacionais, considerando que uma reputação de integridade é um ativo valioso, que atrai parceiros comerciais confiáveis, investidores e talentos, contribuindo para o sucesso a longo prazo das empresas.

Fortalecer a Governança Corporativa

As disposições contábeis da FCPA são cruciais para este propósito. Ao exigir registros financeiros precisos e controles internos robustos, a lei incentivou as empresas a desenvolverem sistemas de governança corporativa eficazes. Tais sistemas são essenciais para detectar e prevenir a corrupção, garantindo que as decisões sejam tomadas de forma ética e que os recursos da empresa sejam usados de maneira apropriada. Uma governança forte não apenas mitiga o risco de violações da FCPA, mas também promove a sustentabilidade e a responsabilidade corporativa.

Além desses objetivos, não há qualquer dúvida que a FCPA reflete um compromisso mais amplo dos EUA em liderar os esforços globais contra a corrupção. A lei serve como um modelo e um incentivo para que outras jurisdições desenvolvam e apliquem suas próprias legislações anticorrupção, contribuindo para um esforço internacional coletivo para erradicar essa prática prejudicial ao desenvolvimento econômico e à estabilidade política. Ademais, nenhuma lei em qualquer outro país exerce com o mesmo rigor a aplicabilidade (enforcement) da lei e a punibilidade exemplar àqueles (empresas e indivíduos) que a violem.

Alterações da FCPA

Desde sua promulgação, a FCPA não permaneceu estática. O ambiente de negócios global é dinâmico, e a lei teve que se adaptar para permanecer eficaz e relevante. Diversas emendas foram introduzidas para fortalecer sua aplicação, refinar suas definições e expandir sua jurisdição.

Uma das alterações mais significativas ocorreu em 1988. Esta emenda visava abordar algumas das ambiguidades e preocupações levantadas pela comunidade empresarial e jurídica sobre a interpretação e a aplicação da lei original. As modificações incluíram:

Alterações

Definição

Melhor Definição dos Termos

Foram esclarecidas definições-chave, como “funcionário estrangeiro” e “instrumentalidade estrangeira”. Essa clarificação ajudou as empresas a entenderem melhor a quem as proibições de suborno se aplicavam, reduzindo a incerteza e facilitando a conformidade. A compreensão precisa de quem constitui um “funcionário estrangeiro” é vital para as empresas que operam internacionalmente, pois abrange não apenas funcionários de governos diretamente, mas também de empresas estatais ou entidades que exercem funções governamentais.

Introdução de Defesas Afirmativas

A emenda de 1988 introduziu duas defesas afirmativas para as acusações de suborno, que permitem às empresas defenderem certas práticas comerciais sob condições específicas:

– Pagamentos Legais sob a Lei Local: uma defesa pode ser apresentada se o pagamento, oferta, promessa ou autorização de pagamento foi legal sob as leis escritas do país estrangeiro. Isso reconhece que as leis locais podem ter diferentes padrões para certas práticas, embora o escopo dessa defesa seja geralmente limitado, dado que o suborno raramente é legalmente permitido.

– Despesas Razoáveis e de Boa-fé: outra defesa afirmativa pode ser aplicada a pagamentos que constituem despesas razoáveis e de boa-fé, como despesas de viagem e acomodação, diretamente relacionadas à promoção, demonstração ou explicação de produtos ou serviços, ou à execução de um contrato com um governo estrangeiro. Essa defesa visa distinguir entre suborno e gastos legítimos de negócios.

– Pagamentos de Facilitação: embora não seja uma defesa afirmativa formal, a emenda de 1988 também esclareceu a exceção para os “pagamentos de facilitação”. Estes são pequenos pagamentos feitos a funcionários públicos estrangeiros para agilizar ou garantir o desempenho de uma ação rotineira do governo que não envolve o exercício de discrição do funcionário (por exemplo, obter licenças, processar vistos, carregar e descarregar cargas). Tais pagamentos passaram a não ser considerados suborno sob a FCPA, refletindo uma pragmática aceitação de certas realidades comerciais em alguns contextos, embora continuem sendo uma área de complexidade e risco até hoje e recusada pela jurisprudência dominante nos EUA.

Outra alteração muito importante ocorreu em 1998, impulsionada pela ratificação dos EUA da Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esta convenção internacional visava harmonizar as leis anticorrupção entre os países membros. A emenda à FCPA de 1998 expandiu significativamente a jurisdição da lei para ampliar o alcance da lei a entidades e indivíduos, ou seja, a FCPA passou a ser aplicada a certas entidades e indivíduos estrangeiros que não eram emissores de valores mobiliários nos EUA, mas que, no entanto, realizavam atos corruptos dentro do território dos EUA. Isso significa que mesmo uma empresa estrangeira ou um indivíduo estrangeiro sem laços diretos com os EUA, mas que usasse correio, telex, telefone ou qualquer outro meio no território americano para facilitar um suborno, poderia ser processado sob a FCPA. Esta expansão solidificou o compromisso dos EUA com o combate à corrupção em uma escala verdadeiramente global, permitindo que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (US DOJ) e a SEC perseguissem uma gama mais ampla de infratores.

Suspensão da FCPA pelo Presidente Donald Trump

A notável trajetória da FCPA, caracterizada por seu fortalecimento e adaptação contínuos, teve um momento de ruptura significativa em 10 de fevereiro de 2025. Nesta data, o então presidente Donald Trump assinou um decreto que suspendeu a aplicação da FCPA por um período de 180 dias. Esta decisão inesperada foi justificada pela administração com a alegação de que a aplicação “excessiva e imprevisível” da lei estava prejudicando a competitividade econômica dos EUA no cenário global.

A suspensão da FCPA gerou considerável debate e apreensão, tanto nos EUA quanto internacionalmente. O grande temor era um revés nos esforços de longa data para combater a corrupção global, enviando uma mensagem errada sobre o compromisso dos EUA com a ética nos negócios e, potencialmente, abrindo a porta para práticas corruptas, que a lei havia sido criada justamente para erradicar. A incerteza sobre o futuro da lei e seus impactos na conduta empresarial internacional foi notória e unânime na comunidade internacional.

Durante o período de 180 dias de suspensão, o Procurador-Geral dos EUA foi instruído a tomar as seguintes ações:

Ações

Definição

Cessar Novas Investigações e Ações Judiciais

O decreto determinou a suspensão da abertura de novos casos baseados na FCPA, com exceção de “circunstâncias excepcionais” que não foram detalhadas, gerando ambiguidade e discricionariedade na aplicação. Isso significou que, por um tempo, a “esfera de ação” dos órgãos de aplicação da lei contra novas violações da FCPA seria severamente limitada.

Revisar Investigações e Processos em Curso

O Procurador-Geral também foi encarregado de revisar todos os casos existentes de FCPA, incluindo investigações e processos judiciais em andamento. O objetivo era garantir que a aplicação da lei estivesse alinhada com os “interesses econômicos e de segurança nacional” dos EUA. Esta diretriz levantou preocupações sobre a possibilidade de interferência política em casos legais e a potencial descontinuação de processos importantes por razões que não fossem estritamente jurídicas.

Atualizar Diretrizes de Aplicação

Uma parte fundamental do decreto era a instrução para revisar e modificar as diretrizes de aplicação da FCPA. O objetivo era que essas novas diretrizes refletissem as prioridades do governo Trump, que pareciam se inclinar para uma maior ênfase na proteção da competitividade econômica dos EUA, mesmo que isso implicasse em uma flexibilização da postura anticorrupção.

A suspensão da FCPA foi um movimento audacioso, com motivação manifestamente política, que destacou as tensões entre os objetivos de combate à corrupção e as preocupações com a competitividade econômica nacional. O episódio sublinhou a importância da FCPA como um pilar da política externa e comercial dos EUA, e a controvérsia que cercou sua suspensão demonstrou a importância da lei para a comunidade internacional. A espera por novas diretrizes após o período de suspensão foi acompanhada de grande expectativa, pois definiria a direção futura da aplicação da FCPA.

Novo Guia de Aplicabilidade Publicado pelo US DOJ

O período de incerteza gerado pela suspensão da FCPA chegou ao fim com a publicação de novas diretrizes de aplicação pelo US DOJ em 9 de junho de 2025. Estas diretrizes marcaram não apenas o restabelecimento da aplicação da lei, mas também uma reorientação estratégica que visava equilibrar os objetivos anticorrupção com os interesses nacionais e a competitividade econômica dos EUA. A nova abordagem buscou racionalizar a aplicação da FCPA, concentrando recursos e esforços em casos de maior impacto e relevância estratégica.

As principais mudanças e ênfases nas novas diretrizes incluíram:

  • Foco em Casos de Alta Relevância Estratégica: as diretrizes instruem o US DOJ a priorizar a aplicação da FCPA em casos que representem ameaças significativas à segurança nacional dos EUA ou que afetem substancialmente a competitividade econômica americana. Isso significa que o US DOJ se concentraria em condutas corruptas que tivessem implicações geopolíticas, que visassem setores estratégicos da economia dos EUA ou que envolvessem grandes empresas ou figuras proeminentes que pudessem ter um impacto sistêmico. Essa abordagem mais seletiva visou maximizar o impacto da aplicação da lei, direcionando os recursos para onde eles podem gerar o maior benefício estratégico.
  • Redução de Cargas Regulatórias e Encerramento de Casos de Menor Gravidade: em um movimento que visava aliviar o ônus sobre as empresas americanas que operam no exterior, as novas diretrizes incentivaram o encerramento de casos de menor gravidade. Isso se aplica tanto a casos que já estavam em andamento quanto a novos casos recém iniciados. A ideia foi reduzir a burocracia e os custos associados à conformidade para empresas que estão envolvidas em violações menos significativas, permitindo que elas se concentrassem em suas operações principais e contribuíssem para o crescimento econômico, sem desviar recursos excessivos para defesas legais em casos marginais. Esta medida representou um reconhecimento das preocupações da administração anterior sobre a “aplicação excessiva da lei” e buscou encontrar um equilíbrio mais pragmático.
  • Alinhamento com Interesses Nacionais e Foco em Condutas Prejudiciais: as diretrizes enfatizaram que a aplicação da FCPA deveria estar sempre alinhada com os interesses estratégicos mais amplos dos EUA. Isso implica que o US DOJ concentrará seus esforços em combater condutas corruptas que prejudiquem esses interesses, seja enfraquecendo aliados, financiando adversários ou distorcendo mercados de forma desfavorável aos EUA. A aplicação da FCPA passou a ser vista não apenas como uma ferramenta para combater a imoralidade, mas também como um instrumento de política externa para proteger e promover os objetivos nacionais dos EUA.

Essas novas diretrizes caracterizaram uma verdadeira revolução na política de aplicação da FCPA. Embora a lei continue a ser uma ferramenta essencial na luta contra a corrupção, sua execução agora passou a refletir uma abordagem mais estratégica, sob a ótica das prioridades nacionais americanas, buscando otimizar o impacto da aplicação da lei em consonância com as prioridades políticas e econômicas dos EUA.

Ainda não é possível ter um panorama claro se tais medidas irão representar um retrocesso no combate à corrupção em âmbito global ou não, mas é certo que existe uma inquietação por parte da comunidade internacional a respeito de tais mudanças, que afetam o exemplo mais bem-sucedido de combate a práticas de corrupção em todo o mundo.

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