Rol de Procedimentos da ANS é taxativo, segundo o STJ. O que isso significa para cada um de nós?

June 13, 2022

Em 8 de junho de 2022, o Brasil assistiu ao desenrolar de mais um capítulo envolvendo os planos de saúde, os pacientes e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), dessa vez na sede do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.

Por seis votos (ministros Luis Felipe Salomão, Vilas Bôas Cueva, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze) a três (ministros Nancy Andrighi, Paulo de Tarso e Moura Ribeiro), a Segunda Seção do STJ, nos autos do EREsp 1.886.929 e do EREsp 1.889.704, entendeu ser taxativo, em regra, o rol de procedimentos e eventos estabelecido pela ANS, não estando as operadoras de saúde obrigadas a cobrirem tratamentos não previstos na lista. Não obstante, foram fixados parâmetros para que, em situações excepcionais, os planos custeiem procedimentos não listados, a exemplo de terapias com recomendação médica sem substituto terapêutico no rol, e que tenham comprovação de órgãos técnicos e aprovação de instituições que regulam o setor.

Ao final do julgamento, prevaleceu a tese do ministro Vilas Bôas Cueva, aprovada pela maioria e incorporada ao voto pelo relator ministro Luis Felipe Salomão. Ficou determinado o seguinte:

1. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;

2.  A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;

3. É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol;

4. Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferida expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.

5. Figuram também como exceções a procedimentos não previstos no rol da ANS (i) terapias com recomendação expressa do Conselho Federal de Medicina (CFM) com comprovada eficiência para tratamentos específicos e (ii) medicamentos para o tratamento de câncer e de prescrição “off-label” (remédio usado para tratamento não previsto na bula).

Esse novo posicionamento do STJ representa uma mudança na jurisprudência que vinha sendo aplicada nas cortes brasileiras, que, até então, considerava o rol de procedimentos da ANS como exemplificativo, ou seja, o rol mínimo a ser compulsoriamente coberto pelos planos de saúde. Por outro lado, a decisão destoa do que fora apregoado massivamente pela mídia – que procedimentos fora do rol da ANS não deveriam ser mais cobertos pelos planos de saúde –, já que o STJ ressalvou as hipóteses e as condições para que isso ocorra, conforme descrito na tabela acima.

A despeito da controvérsia existente a respeito do tema, o que realmente causa espanto é o fato de o legislador ou até mesmo a própria ANS, por meio de ato administrativo, não terem determinado se o referido rol preparado por ela é exemplificativo ou taxativo. Por que esperar pelo Poder Judiciário?

Além do que, se trata de uma questão que envolve aspectos constitucionais, já que o Art. 196 da Constituição Federal preconiza o seguinte:

Art. 196 – A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Ora, se a saúde é direito de todos e dever do Estado, como restringir o acesso a tratamentos suportados pelo poder público? Supostamente, da forma como entendeu o STJ, ou seja, buscando instituições acreditadoras ou experts que possam validar se determinado procedimento ou tratamento não previsto no rol da ANS é eficaz ou não. Infelizmente, a solução, que poderia ser considerada adequada, não é perfeita, pois a questão dificilmente será analisada apenas pela ótica científica, mas principalmente sob o prisma político, acabando por frustrar inconstitucionalmente o acesso de pacientes a procedimento ou tratamentos inovadores e altamente eficazes, mas não previstos no rol da ANS – que, diga-se de passagem, é assaz deficiente, não contemplando sequer procedimentos já consolidados no mercado, como cirurgias robóticas e alguns tipos de quimioterapia e radioterapia.

Atualmente, o rol de procedimentos da ANS tem previsibilidade de revisão a cada seis meses. Seu papel preponderante é garantir, por um lado, determinados tratamentos, mas, por outro lado, evitar que planos de saúde quebrem financeiramente, já que qualquer serviço precisa de previsibilidade quanto a seus custos para manter sua sustentabilidade.

A questão é bastante complexa, considerando o avanço cada vez mais espetacular da medicina, já introduzindo inúmeras novidades como imunoterapia, anticorpos monoclonais, terapia gênica, medicamentos fotossensíveis ativados remotamente por um feixe de laser, além de todos os medicamentos para doenças raras, cujos pacientes não tinham alternativa alguma até bem pouco tempo.

Outro ponto altamente questionável é o papel da ANS na limitação do número de sessões de algumas terapias para pessoas com vários tipos de deficiência, inclusive autismo, quando a mesma tem ciência de que tal número limitado de sessões não é suficiente para o tratamento pretendido.

É mais que provável que essa discussão termine no Supremo Tribunal Federal (STF), considerando, como dito acima, o viés constitucional existente na regulação do acesso à saúde.

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Por seis votos (ministros Luis Felipe Salomão, Vilas Bôas Cueva, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze) a três (ministros Nancy Andrighi, Paulo de Tarso e Moura Ribeiro), a Segunda Seção do STJ, nos autos do EREsp 1.886.929 e do EREsp 1.889.704, entendeu ser taxativo, em regra, o rol de procedimentos e eventos estabelecido pela ANS, não estando as operadoras de saúde obrigadas a cobrirem tratamentos não previstos na lista. Não obstante, foram fixados parâmetros para que, em situações excepcionais, os planos custeiem procedimentos não listados, a exemplo de terapias com recomendação médica sem substituto terapêutico no rol, e que tenham comprovação de órgãos técnicos e aprovação de instituições que regulam o setor.

Ao final do julgamento, prevaleceu a tese do ministro Vilas Bôas Cueva, aprovada pela maioria e incorporada ao voto pelo relator ministro Luis Felipe Salomão. Ficou determinado o seguinte:

1. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;

2.  A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;

3. É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol;

4. Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferida expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.

5. Figuram também como exceções a procedimentos não previstos no rol da ANS (i) terapias com recomendação expressa do Conselho Federal de Medicina (CFM) com comprovada eficiência para tratamentos específicos e (ii) medicamentos para o tratamento de câncer e de prescrição “off-label” (remédio usado para tratamento não previsto na bula).

Esse novo posicionamento do STJ representa uma mudança na jurisprudência que vinha sendo aplicada nas cortes brasileiras, que, até então, considerava o rol de procedimentos da ANS como exemplificativo, ou seja, o rol mínimo a ser compulsoriamente coberto pelos planos de saúde. Por outro lado, a decisão destoa do que fora apregoado massivamente pela mídia – que procedimentos fora do rol da ANS não deveriam ser mais cobertos pelos planos de saúde –, já que o STJ ressalvou as hipóteses e as condições para que isso ocorra, conforme descrito na tabela acima.

A despeito da controvérsia existente a respeito do tema, o que realmente causa espanto é o fato de o legislador ou até mesmo a própria ANS, por meio de ato administrativo, não terem determinado se o referido rol preparado por ela é exemplificativo ou taxativo. Por que esperar pelo Poder Judiciário?

Além do que, se trata de uma questão que envolve aspectos constitucionais, já que o Art. 196 da Constituição Federal preconiza o seguinte:

Art. 196 – A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Ora, se a saúde é direito de todos e dever do Estado, como restringir o acesso a tratamentos suportados pelo poder público? Supostamente, da forma como entendeu o STJ, ou seja, buscando instituições acreditadoras ou experts que possam validar se determinado procedimento ou tratamento não previsto no rol da ANS é eficaz ou não. Infelizmente, a solução, que poderia ser considerada adequada, não é perfeita, pois a questão dificilmente será analisada apenas pela ótica científica, mas principalmente sob o prisma político, acabando por frustrar inconstitucionalmente o acesso de pacientes a procedimento ou tratamentos inovadores e altamente eficazes, mas não previstos no rol da ANS – que, diga-se de passagem, é assaz deficiente, não contemplando sequer procedimentos já consolidados no mercado, como cirurgias robóticas e alguns tipos de quimioterapia e radioterapia.

Atualmente, o rol de procedimentos da ANS tem previsibilidade de revisão a cada seis meses. Seu papel preponderante é garantir, por um lado, determinados tratamentos, mas, por outro lado, evitar que planos de saúde quebrem financeiramente, já que qualquer serviço precisa de previsibilidade quanto a seus custos para manter sua sustentabilidade.

A questão é bastante complexa, considerando o avanço cada vez mais espetacular da medicina, já introduzindo inúmeras novidades como imunoterapia, anticorpos monoclonais, terapia gênica, medicamentos fotossensíveis ativados remotamente por um feixe de laser, além de todos os medicamentos para doenças raras, cujos pacientes não tinham alternativa alguma até bem pouco tempo.

Outro ponto altamente questionável é o papel da ANS na limitação do número de sessões de algumas terapias para pessoas com vários tipos de deficiência, inclusive autismo, quando a mesma tem ciência de que tal número limitado de sessões não é suficiente para o tratamento pretendido.

É mais que provável que essa discussão termine no Supremo Tribunal Federal (STF), considerando, como dito acima, o viés constitucional existente na regulação do acesso à saúde.

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